Reconhecimento facial está presente em 30 cidades brasileiras. Embora a tecnologia acelere negócios, empresas devem usá-la de modo ético.
O reconhecimento facial tem grande potencial de inovação para os negócios. Mas o uso de ferramentas com a tecnologia abre um debate que provavelmente não será esquecido tão cedo: como elas deveriam ser usadas e por quem?
Só no Brasil, 30 cidades já possuem 37 iniciativas com o uso de reconhecimento facial, segundo levantamento do Instituto Igarapé e divulgado em setembro deste ano. Só entre 2018 e 2019, foram 19 projetos envolvendo a tecnologia.
E em quais áreas a tecnologia é usada?
– Segurança pública:
Governos municipais e estaduais apostam na tecnologia para identificar possíveis suspeitos e, assim, aumentar a segurança da população. No Carnaval de Salvador de 2019, por exemplo, o reconhecimento facial ajudou a polícia a capturar um homem acusado de homicídio. Outro uso da tecnologia na capital baiana foi para localizar pessoas desaparecidas.
Claro, a tecnologia exige muito treinamento para que funcione corretamente. O que nem sempre acontece, como é o caso do Rio de Janeiro. O sistema utilizado pela Polícia Militar carioca falhou e uma mulher foi detida por engano.
– Transporte:
Em julho deste ano, o Metrô de São Paulo anunciou o investimento de R$ 69 milhões em um projeto envolvendo câmeras com reconhecimento facial para melhorar a segurança operacional de algumas estações, que até aquela data, possuíam câmeras analógicas e digitais, mas nem todas estavam integradas aos Centros de Controle Operacional (CCOs).
Já uma concessionária de uma das linhas do Metrô de São Paulo tinha um projeto em que subsidiava os anúncios exibidos nos vagões a partir de uma análise de sentimento dos passageiros a partir de câmeras equipadas com a tecnologia.
– Educação:
O município de Jaboatão dos Guararapes, na região metropolitana do Recife, implantou reconhecimento facial para controlar a frequência dos alunos e evitar a evasão escolar. O projeto teve início em 2016 e esperava acompanhar toda a movimentação do estudante para entender como estava o rendimento dele no dia a dia. Caso ele não comparecesse, um alerta era enviado via SMS para os pais, assim como um e-mail compartilhando o diário eletrônico.
Como as empresas têm usado o reconhecimento facial?
Embora o uso de reconhecimento facial tenha um impacto para os serviços públicos, muitas empresas privadas olham para a tecnologia como forma de impactar positivamente a experiência do consumidor.
Se você tem uma conta em um banco digital já deve ter feito uma selfie durante o cadastro ou no processo de troca de senha do cartão de crédito. Isso é uma forma de agilizar o atendimento e evitar fraudes no seu nome. Neon e Nubank são alguns exemplos que utilizam a tecnologia.
Já pensou em embarcar num voo com agilidade e sem enfrentar grandes filas? É o que a Gol tem testado no aeroporto internacional do Galeão, no Rio de Janeiro. A companhia aérea instalou um totem para que os passageiros façam uma foto em frente a ele.
A ideia é que essa foto seja cruzada com os dados de viagem e com o documento do passageiro para autenticar o embarque. Segundo a Gol, a estimativa é que essa solução tecnológica reduza o tempo de embarque em 10%.
Enquanto isso, no setor de transporte por aplicativo, a 99 aplica a tecnologia como uma camada a mais de segurança para quem utiliza o serviço. Quando os motoristas se conectam à plataforma, o leitor facial cruza a imagem com a foto disponibilizada no banco de dados do Denatran.
Mesmo se o motorista já tenha feito esse procedimento, a 99 pode pedir novamente para ele comprovar a identidade como forma de identificar novos padrões de comportamento. Assim, a plataforma consegue garantir a segurança tanto do passageiro quanto do condutor.
O outro lado da tecnologia
Como pudemos ver nos exemplos acima, o reconhecimento facial pode impactar bastante o dia a dia de uma empresa e seus clientes. Mas, voltando ao início do texto, como elas deveriam ser usadas e por quem?
Nos Estados Unidos, algumas cidades, como São Francisco, baniram o uso da tecnologia para o uso da segurança pública. O motivo é que a tecnologia poderia limitar os direitos dos cidadãos e “exacerbar a injustiça racial”.
A questão da injustiça racial por conta da tecnologia é outro tópico de discussão entre especialistas. O reconhecimento facial utiliza Inteligência Artificial, que, apesar de inteligente, precisa de um humano para aprender os padrões.
“O que levanta o risco ético sobre os operadores do sistema, já que pessoas podem ter vieses”, disse Itali Colline, diretora de operações da aceleradora 500 Startups no Brasil, em entrevista ao site Meio e Mensagem.
Assim como Colline, Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), compartilha da mesma preocupação. Ao site Agência Brasil, o docente destacou que sistemas com reconhecimento facial precisam de diversidade.
Ferramentas e sistemas que utilizam a tecnologia encontram dificuldade em reconhecer pessoas com tom de pele mais escuro ou mulheres. Esses erros na identificação de uma pessoa podem ser conhecidos como “falso positivo”.
Um estudo do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST), agência governamental não regulatória da administração de tecnologia do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, mostrou que a identificação de homens brancos é a que apresenta menor taxa de falha.
Mas quando a tecnologia tenta identificar uma mulher, o cenário é bem diferente. O falso positivo para uma mulher branca aconteceu uma a cada dez mil vezes. Já em relação a mulheres negras, uma a cada mil vezes, segundo a pesquisa do NIST.
“Tecnologia que objetiva o reconhecimento com margens de erros arbitrárias e a depender de como a régua é modificada, as consequências são graves [como a prisão de uma pessoa inocente]”, disse Rafael Mafei.
Principais destaques desta matéria:
- Reconhecimento facial está presente em 37 projetos distribuídos em 30 cidades brasileiras;
- Tecnologia pode impactar negócios e levar uma melhor experiência ao cliente;
- Mas tecnologia esbarra em viés para garantir que reconhecimento seja feito de forma ética.