drex Da esq: Fernando Paiva (Mobile Time), Alessandro Fraga (Banco Central do Brasil), Eduardo Mantegazza (Verisoft – EXA) e Efraim Soares dos Santos (Caixa Econômica Federal) – Foto: Marcos Mesquita/ Mobile Time/ Reprodução

Drex e o “trilema” descentralização, programabilidade e privacidade

4 minutos de leitura

Segunda fase de testes do Drex está com inscrições abertas e busca resolver principalmente as questões de privacidade



Por Rodrigo Conceição Santos em 05/11/2024

O Drex, moeda digital do Banco Central do Brasil, está sendo projetado para operar em uma blockchain e busca ampliar oportunidades de inclusão financeira e acesso a crédito, segundo o Banco Central do Brasil. E, como toda inovação digital, enfrenta desafios técnicos e de segurança. Foi o que demonstraram especialistas do governo e do mercado durante o evento MobiMeeting Finance + ID 2024, realizado no final de outubro em São Paulo.

Efraim Soares dos Santos, da área de arquitetura de TI, Inovação e Drex da Caixa Econômica Federal, observou que a experiência acumulada com o PIX será importante para o Drex, inclusive no que tange à proteção do usuário. “A parte mais frágil efetivamente é o usuário. Então, o mercado precisa olhar o que aprendeu com o PIX e trazer essas lições para o Drex,” disse. 

Para a Caixa, as chaves privadas devem permanecer no controle das instituições financeiras, o que garantiria uma camada adicional de segurança. “As chaves dos nossos clientes e as nossas devem ficar no banco, com proteção HSM e outros mecanismos,” afirmou.

O trilema do Drex

O editor do Mobile Time e organizador do MobiMeeting Finance + ID, Fernando Paiva, lembrou de um momento recente no qual o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, avaliou que o Drex enfrenta o “trilema” da descentralização, com programabilidade e privacidade. Segundo ele, esses desafios foram analisados na primeira fase dos testes do Drex, e, embora haja evolução, as soluções ainda não estão maduras para o lançamento da blockchain do Real.

Alessandro Fraga, líder técnico do Banco Central para o Drex, explicou que, enquanto a blockchain oferece imutabilidade – um de seus pontos fortes – a privacidade ainda é uma preocupação, especialmente no que diz respeito às exigências da legislação de proteção de dados (LGPD). “A privacidade é necessária e regulada, e a fuga de dados é uma preocupação constante”, resumiu.

Segundo ele, a segurança e privacidade foram as principais questões avaliadas durante as primeiras fases de testes da moeda digital brasileira, e ainda não estão resolvidas. Afinal, a característica natural das blockchain é a transparência e, como tal, põe em risco a privacidade dos cidadãos, à medida que os dados contidos na rede ficariam expostos a quem quisesse consultar.

A problemática se amplia porque partes das chaves privadas dos usuários e dos “nós” do Drex podem ser vulneráveis a ataques, assim como os gateways inter-rede, que, por sua função de intermediação, podem ser pontos de ataque,de acordo com Fraga. “Os oráculos que trazem dados externos para a rede também são alvos potenciais. Isso amplia a superfície de ataque, pois o sistema é mais distribuído”, completou.

Ainda segundo Fraga, o aumento da digitalização de ativos, por si só, implica que a perda de dados sensíveis no ambiente digital pode ir além do dinheiro. 

Essa também é uma característica natural das blockchains e Eduardo Mantegazza, partner verisoft da EXA, lembrou que ela aumenta os riscos de roubo de ativos tokenizados. “Se hoje o pior que pode acontecer ao ter o celular roubado é perder o dinheiro, com a tokenização, há o risco de alguém roubar a escritura da sua casa ou o CRLV do veículo”, disse. 

Dessa forma, ele resumiu que a diversificação de ativos no ambiente digital exige mais segurança, tanto em software quanto em hardware, para proteger adequadamente esses novos ativos.

Quanto ao “trilema”, Eduardo Mantegazza acrescentou um quarto ponto: a usabilidade.  “Além dos três desafios técnicos pontuados pelo Banco Central, a usabilidade precisa ser pensada para equilibrar segurança e privacidade, o que é sempre um desafio,” disse.

Para completar o já não mais “trilema”, Efraim Santos chamou atenção para um quinto desafio, voltado aos negócios: “No Drex, a ideia é que o DVP (Delivery versus Payment) e outros mecanismos necessários não revelem a estratégia de negócios de nenhuma instituição,” acrescentou.

Segunda fase de testes do Drex

Segunda fase de testes do Drex

Na segunda fase de testes do Drex, que deve se estender até meados de 2025, a equipe técnica organizada pelo Banco Central busca soluções para resolver, inicialmente, questões de privacidade e agora também de governança. 

Alessandro Fraga confirmou que, na primeira fase, o foco foi em privacidade, mas a maturidade ainda não foi alcançada. “Vamos continuar trabalhando a privacidade e agora acrescentaremos governança em contrato, para que todos os participantes tenham clareza sobre o que é adicionado à rede, garantindo que não há inconsistências ou bugs,” detalhou.

Os 16 consórcios que participaram da primeira fase – com representantes de grandes bancos, fintechs e empresas de criptoativos – continuarão na nova etapa, proporcionando uma visão mais ampla do sistema. 

Já para a próxima parte da segunda fase – cujas inscrições estão abertas e se encerram em novembro – outras instituições devem ser selecionadas.

De acordo com os especialistas presentes no MobiMeeting, a principal expectativa sobre o Drex é sua capacidade de democratizar o acesso ao crédito, simplificando a oferta e a obtenção de garantias. 

Fraga, do Banco Central, detalhou que a ideia central do Drex não é a tecnologia blockchain em si, mas o efeito que o sistema pode ter no acesso ao crédito e outros benefícios de inclusão social e financeira. “Se todos os ativos financeiros estão em uma carteira digital controlada pelo usuário, ele pode oferecer uma garantia de imóvel, por exemplo, para obtenção de crédito. E quem empresta pode ter a segurança de que poderá executar a garantia se necessário, o que tende a baratear o crédito,” explicou, salientando que as garantias de empréstimos na blockchain podem ainda servir de garantias para terceiros, de modo que o concedente do empréstimo 1 se valha, por exemplo, do bem usado como garantia pelo emprestador para pedir crédito a um terceiro agente.

O especialista do Banco Central ressaltou que, embora o Drex venha com potencial de transformação, ele é uma continuação dos avanços introduzidos pelo PIX e pelo Open Finance. “Esperamos que o Drex cause um impacto semelhante ao do PIX”, disse.

Casos de uso 

A Caixa Econômica Federal, em consórcio com Elo e Microsoft, apresentou propostas de uso específicas para o Drex no contexto dos grupos de trabalho citados por Fraga. 

Segundo Efraim dos Santos, o banco propôs um caso de pagamento de benefícios sociais offline, pensando em regiões com problemas de conectividade, mas essa não foi para frente. Já outra proposta, voltada ao setor imobiliário, foi aceita e está sendo aprimorada. 

“No caso do pagamento de benefícios sociais, a ideia é que ele funcione mesmo em locais sem acesso constante à internet,” explicou Santos. Isso visa, segundo ele, o atendimento a áreas remotas, nas quais muitas pessoas não têm acesso à internet ainda. O Banco Central não acatou essa proposta por entender que ela é nichada, mas sugeriu que a Caixa seguisse sozinha com o projeto. 

Já o segundo caso foi aceito como piloto para o desenvolvimento do Drex, e agora ele conta com apoio do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis (ONR). Em suma, a ideia é facilitar os processos de registro de imóveis por meio da blockchain, algo que pouparia semanas de trâmites que, quem já comprou e vendeu imóveis no Brasil, sabe bem do que se trata.


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