Mulheres na Tecnologia

erika rossetto

“Ainda hoje, presença feminina é restrita na indústria de satélites”

5 minutos de leitura

A frase é de Erika Rossetto, Líder da Equipe de Dinâmica de Voo da Star One e Diretora da Space Data Association, reconhecida como uma das mulheres que fazem diferença no setor



Por Redação em 07/03/2022

Formada em astronomia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Erika Rossetto alimentava, desde cedo, o sonho de trabalhar na área espacial. “Só a Embratel tinha astrônomos atuando nessa área no Brasil, mas na época, um de meus professores me desestimulou, justamente por achar que o ambiente não abria espaço para mulheres”, contou ela, em entrevista ao Próximo Nível

No entanto, contrariando o pensamento predominante na ocasião, a oportunidade de integrar o time da Embratel veio em 2010, o que estimulou Erika a iniciar o mestrado na área espacial. Hoje, ela é Líder da Equipe de Dinâmica de Voo da Embratel Star One e Diretora da Space Data Association (SDA), e acaba de ser reconhecida pela organização como uma das mulheres que fazem a diferença nesse setor. 

“Muita coisa mudou nos últimos anos, mas ainda acredito que um dos grandes desafios para o futuro é trazer mais mulheres para essa área. Não há nada que impeça a presença feminina e o mercado de satélites tem grande potencial de crescimento e muitas oportunidades”, afirmou ela. 

Confira alguns dos principais trechos da entrevista. 

Como é o seu trabalho como Líder da Equipe de Dinâmica de Voo da Embratel Star One?

Erika Rossetto – Um dos aspectos primordiais, quando lançamos um satélite, é garantir a segurança no espaço. Por isso, é preciso ter um controle atento, 24 horas, 7 dias da semana. Precisamos saber exatamente onde ele está e para onde vai. 

Nós conseguimos ter essa vigilância no caso de um satélite, mas existe uma quantidade considerável de objetos no espaço que não estão sendo controlados. Então, existe um risco de colisão. 

A vigilância é exatamente para evitar qualquer tipo de problema. Quando detectamos um destes objetos se aproximando de um dos satélites móveis, fazemos um desvio de sua rota. Então, é de extrema importância ter um sistema de alerta e monitoramento que calcule a posição destes objetos que não são controlados e que avise o operador sobre os riscos. Cada operador é responsável por avaliar esse risco. Internamente, precisamos ter um processo muito robusto de análise, para saber o que fazer em cada situação.

Nossa equipe faz um monitoramento contínuo e avaliamos a necessidade de intervir em cada situação, dependendo do grau de risco. Tem sempre alguém em alerta para que qualquer emergência seja conduzida da melhor forma.

Essa conscientização é, inclusive, um dos trabalhos prioritários da Space Data Association (SDA), pois o espaço aéreo é compartilhado, então não adianta cada operador fazer a sua parte separadamente, é preciso que toda a comunidade esteja engajada. 

Como é sua atuação na SDA e qual a importância do reconhecimento, por parte da associação?

Erika Rossetto – Atualmente sou diretora da SDA e uma das minhas grandes prioridades é o trabalho educativo. Quase 70% dos operadores de satélites integram essa organização e isso é muito importante, pois esse trabalho é conjunto. Se por um lado somos concorrentes, neste aspecto somos colaboradores, pois temos o entendimento de que um pode interferir no trabalho do outro, não há como ter pensamento individual neste caso.

Então, sempre procuro demonstrar a importância de fomentar debates sobre os desafios e soluções para o setor. Já promovi workshops, participei de conferências nacionais e internacionais e, cada vez mais, vejo a importância deste engajamento entre os operadores. Como diretora, criei um grupo de trabalho para desenvolver estudos e promover reuniões técnicas. As mega-constelações de satélites devem trazer ainda mais desafios para o setor e precisamos estar preparados. 

Já participo da SDA há alguns anos. Em 2013 fui eleita para uma das vagas na diretoria e permaneci por dois mandatos. Em 2017 engravidei e me afastei por um período, mas retornei no ano passado. Esse reconhecimento como uma das “mulheres que fazem diferença na indústria de satélites” é algo que me enche de orgulho e mostra que estamos no caminho certo, seja por acreditar na importância da educação, seja por mostrar que não há diferença entre homens e mulheres, em qualquer mercado que seja. 

Você já sentiu essa diferenciação em função de gênero ao longo da carreira?

satelite

Erika Rossetto – Infelizmente sim, muitas vezes, e grande parte das pessoas nem se dá conta disso. Por exemplo, em função do trabalho junto à SDA, que é uma associação internacional, já precisei viajar para fora do país algumas vezes, e sempre me questionaram “quem cuidaria da criança” durante minha ausência. Todos têm filhos, mas é fato que isso é muito mais cobrado das mães do que dos pais. 

Mas mesmo antes da maternidade passei por isso. Ainda na faculdade, quando demonstrei meu interesse em trabalhar nessa área, um dos professores (homem) me desestimulou e quase desisti. No curso de astronomia até que a presença feminina é equilibrada, mas grande parte dos profissionais segue carreira acadêmica. 

Quando surgiu a oportunidade de integrar uma equipe da Embratel, vi que não somente aquele professor estava errado, como também que as mulheres podem ocupar qualquer cargo. Mas, ainda hoje, poucas estão nessa indústria. Aliás, até algumas décadas atrás, sequer havia preocupações básicas em institutos de desenvolvimento espacial, como ter um sanitário feminimo nos locais de trabalho – afinal, o ambiente era pensado para profissionais do sexo masculino. Isso no mercado em geral, inclusive fora do Brasil.

Hoje, a Embratel tem um grupo de astrônomos que cuida do controle orbital do satélite, somos seis e eu sou coordenadora da equipe. Há outras mulheres em outras áreas, pois a diretoria envolve também o setor da engenharia, mas ainda somos minoria. Na SDA, somos sete na diretoria, mais o corpo técnico, e também sou a única mulher a já ter ocupado um cargo de diretora.

Comecei na área, na Embratel, em 2010. Meu primeiro mandato na diretoria da SDA foi em 2013 e, na época, nem eu mesma acreditava que conseguiria. Um dos maiores especialistas na área (Doutor T.S. Kelso) me apoiava e acreditou em meu potencial. Mas, por exemplo, em minha primeira conferência internacional, eu estava muito nervosa – tanto pela apresentação em inglês, quanto pela própria composição da plateia. E, quando fui chamada para falar, ouvi do coordenador que devia “ser muito inteligente” para estar lá. Será que algum homem escutou tal tipo de coisa? Infelizmente, apesar da evolução e do empoderamento feminino, ainda escutamos comentários que homens não escutam, o que mostra como a discriminação ainda está enraizada. 

Você considera que a maternidade foi mais um desafio em sua carreira?

Erika Rossetto – Sim, porque me ausentei durante um período de quase sete meses. E como se trata de um setor com evolução contínua, tive a impressão de que voltei alguns passos atrás. Então, as mulheres precisam estudar, se atualizar e, ao mesmo tempo, ter esse olhar para a família. 

Culturalmente, a mulher é ensinada a cuidar, e acabamos levando essa “bagagem” para a atuação profissional. Por isso vemos a maior participação feminina em outras áreas, que cuidam das empresas, dos funcionários, mas não em segmentos mais técnicos ou liderança. Assim, a impressão é de que a mulher sempre precisa provar mais sua capacidade. Não deveria haver essa diferenciação. 

A realidade é a mesma em âmbito internacional?

Erika Rossetto – Infelizmente sim, no cenário internacional ainda há poucas mulheres atuando na indústria espacial. Vários países tentam atrair mais mulheres para essa área e nos últimos anos até conseguimos evoluir, mas em todo o setor de pesquisa e exploração espacial, sempre fomos minoria, e algumas atuam/ atuaram até nos bastidores. 

No Brasil, várias instituições de ensino e pesquisa têm programas para atrair mulheres para áreas tecnológicas. Os institutos de pesquisa criam iniciativas para meninas e jovens se interessarem.

Em sua visão, quais os desafios e perspectivas para esse setor?

Erika Rossetto – O maior desafio é o surgimento de mega-constelações, do ponto de vista de segurança espacial, pois são muitos satélites, o que torna necessária uma dinâmica muito mais intensa. Temos várias normas para uso do espaço e constelações em operação, mas a tendência é de crescimento, então o desafio é colocar tais regras em prática. 

Outro desafio é que a demanda por profissionais especializados na área vai crescer muito, pois, apesar da inteligência artificial, o olhar humano é imprescindível. As mulheres precisam acreditar que também podem atuar na área, precisamos atrair mais talentos femininos.

Toda mulher deve acreditar em seu potencial e saber que não há limites para nossa atuação. Podemos conquistar nosso espaço não só na Terra, mas em todo o universo. 


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