Com cerca de 84 milhões de processos em tramitação no judiciário brasileiro, o uso de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) generativa, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já ocorre em 66% dos tribunais brasileiros. O tema, que ganha cada vez mais visibilidade no Brasil e no mundo, foi amplamente debatido nesta quarta-feira (16), no ExpoJud, um congresso de tecnologia, inovação e direito do Brasil, que acontece em Brasília (DF) de 15 a 17 de outubro.
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Sérgio Domingues, citou dados do CNJ que mostram que, em 2023, havia cerca de 140 ferramentas de IA em uso nos tribunais brasileiros. Dessas, mais de 60 eram similares. “Hoje, cada tribunal quer ter uma IA para chamar de sua. Será que esse é o caminho certo? Ao invés de termos 66 ferramentas parecidas, não seria melhor termos uma só, sendo usada por todos? Tem muita gente desenvolvendo coisas boas, mas é preciso evitar retrabalho. Não podemos agir como há 20 anos, isso está retardando a utilização das tecnologias nos tribunais”, afirmou o ministro, que defende que a missão de unificação das tecnologias de IA fique a cargo do CNJ.
Para o também ministro do STJ, José Afrânio Vilela, a importância da IA para o judiciário é inequívoca. No entanto, segundo ele, ainda há uma certa resistência à sua aplicação. “Ainda vejo, no judiciário, um medo além daquilo que seria a cautela. A cautela nos prepara para eventos futuros, previne possibilidades de erro, especialmente quando tratamos da ética que se quer empregar nas máquinas. Será que a IA vai nos sobrepor, vai ser melhor que nós? Pode até ser que sim, mas eu, até o momento, não conheço algo nesse sentido. O que temos de fazer é unir capacidade de hardware e software para atender às nossas necessidades”, complementou.
Cibersegurança da IA no judiciário
Ao mesmo tempo em que traz benefícios para os processos de trabalho, conferindo agilidade, precisão e praticidade, o uso da IA também amplia os desafios em torno das questões de segurança da informação.
“Garantir que a informação correta está indo para a pessoa certa é fundamental. Por isso, é importante avaliarmos se esses processos e tecnologias estão no nível de sofisticação adequado”, alertou Marcelo Braga, presidente da IBM Brasil. Segundo ele, não só os “mocinhos” têm acesso às informações, mas os bandidos também e, com a IA há possibilidade de simulação de voz e de texto. “Estamos em outro nível de evolução. No momento em que um servidor recebe um áudio, supostamente de um juiz ou de um desembargador pedindo algo, vindo do celular dele, com a voz dele, tudo muda”, exemplificou.
Agora, para Braga, começa a parecer o chamado envenenamento de IA, com pessoas que, eventualmente, ensinam errado para trazer algum tipo de dano à instituição. “Tudo isso requer acompanhamento e atenção”, advertiu.
Uma das maneiras de enfrentar essas questões de segurança, de acordo com a presidente da Microsoft Brasil, Tânia Cosentino, é a qualificação de mão de obra técnica em TI e também a “alfabetização digital” de usuários leigos. “Por ano, temos mais de 30 bilhões de ataques hackers a senhas. O primeiro agente de risco somos nós. Eu preciso de apenas nove segundos da sua voz para cloná-la. Há um gap de profissionais de TI no Brasil, mas esse não é o único problema, também precisamos promover a ‘alfabetização digital’ dos leigos”, defendeu a executiva
Tânia também destacou um conjunto de ações da Microsoft que visam a capacitação de cerca de cinco milhões de brasileiros em IA. “Isso é fundamental para o desenvolvimento do país, impactando diretamente no crescimento do PIB, além de contribuir com o desafio da cibersegurança.”
A escassez de profissionais de TI capacitados para o uso das ferramentas de IA também foi mencionada pelo presidente da Dell Brasil, Diego Puerta. “Hoje, existe um gap de profissionais de TI que pode chegar a um milhão. Isso tende a aumentar, porque, como as novas tecnologias surgem o tempo todo, o profissional capacitado de hoje pode ficar desatualizado amanhã. Por isso, esse tema da alfabetização em TI é um ponto que também estamos investindo bastante, para que as pessoas possam se beneficiar do poder da tecnologia. Não adianta ter a estrutura mais moderna se o usuário ou o profissional não estiver capacitado”, disse
Programa de capacitação
Um painel dedicado à aceleração da transformação digital na justiça, o diretor de Tecnologia da Informação do TJSC, Daniel Moro de Andrade, afirmou que o principal desafio da iniciativa é fazer com que as ferramentas de IA sejam efetivamente empregadas nas atividades e processos em tramitação no judiciário, agregando valor, modernizando e facilitando o trabalho e o acesso à justiça.
À frente de um programa de capacitação em IA para cerca de 600 agentes públicos do judiciário de Santa Catarina, que envolve servidores, desembargadores, juízes e advogados, Andrade afirmou que a IA já é uma realidade no judiciário e desempenha um papel estratégico na busca por agilidade nos processos judiciais.
“Se alguém ainda acha que a revolução da IA generativa vai acontecer, está equivocado, porque este processo já está acontecendo há muito tempo. No judiciário, temos um grande estoque de processos, com uma carga de trabalho cada vez maior. Se não é possível parar a entrada de novos processos, o que temos de fazer é promover o engajamento de todos os agentes do judiciário, possibilitando a aplicação da IA na prática. Por isso, estamos fazendo, talvez, o maior programa de capacitação do judiciário brasileiro, trazendo a construção colaborativa, com as equipes e os vários departamentos do TJSC”, explica Daniel Moro de Andrade.
Membro do corpo docente da SingularityU Brasil e CEO da CogniSigns, Leandro Mattos destacou a importância da realização de treinamentos e capacitações para o correto uso das ferramentas de IA, em especial em instituições estratégicas como o Poder Judiciário. “Precisamos trazer as pessoas para o universo da IA generativa. A melhor pergunta é a que vai te dar a melhor resposta. O que temos de fazer é ensinar as pessoas a como trabalhar bem com a máquina, é um trabalho cognitivo, ou seja, vamos ensinar a trabalhar com o raciocínio lógico. Infelizmente, no Brasil, não fomos treinados para isso”, destacou Leandro Mattos.