Enquanto a inteligência artificial (IA) domina as manchetes e o imaginário popular como a força motriz da inovação, uma revolução mais discreta, porém igualmente transformadora, avança nos laboratórios e indústrias: a nanotecnologia.
Este campo emergente, debatido no Gramado Summit 2025, surge como uma promessa na redefinição das bases da economia global, ao atuar na própria estrutura molecular dos materiais. Para os especialistas que participaram do evento, a capacidade da nanotecnologia de alterar propriedades fundamentais pode gerar um impacto mais profundo e abrangente do que a IA.
A essência da nanotecnologia está em sua habilidade de manipular a matéria em escala nanométrica, permitindo a criação de materiais com características aprimoradas. Imagine um material mais resistente, leve, durável e eficiente do que qualquer um que conhecemos hoje. Essas inovações já estão em curso e prometem reduzir custos e otimizar o desempenho em setores tão diversos quanto a indústria farmacêutica, agricultura, eletrônicos e manufatura. A nanotecnologia não é uma promessa distante, mas uma realidade que, silenciosamente, já transforma produtos e processos.

Démis Gameiro, CEO da Bluenano, declarou em entrevista à Exame a urgência dessa transição: “Após a onda da inteligência artificial, os materiais são a nova revolução. Os materiais tradicionais estão chegando ao limite de sua capacidade e a indústria vai se reinventar com nanotecnologia”. Essa mesma visão foi ecoada por Carlos Johannpeter, presidente da Pradotech, que destaca que a nanotecnologia “vai muito além do que conhecemos atualmente”, citando o grafeno como exemplo de um material com potencial para revolucionar desde eletrônicos e baterias até o desenvolvimento de tênis de alto desempenho, como já ocorre na calçadista Vulcabras.
O impacto financeiro dessa revolução é estimado em bilhões, talvez trilhões de dólares nos próximos anos, segundo Johannpeter. Isso demonstra que a nanotecnologia não é apenas uma área de pesquisa acadêmica, mas uma oportunidade de negócios gigantesca, que já está no radar de empresários e investidores. A discussão dos especialistas foi fundamentada na importância de as empresas e os países se posicionarem estrategicamente para colherem os frutos dessa transformação sem precedentes.
Brasil na vanguarda ou na retaguarda?
Apesar do inegável potencial da nanotecnologia, a participação do Brasil nessa corrida global enfrenta desafios significativos que podem comprometer sua posição no cenário internacional. A principal barreira é a falta de investimentos consistentes em ciência e tecnologia, agravada por um ambiente econômico instável. Gabriel Fongaro, macroestrategista do BTG Pactual, aponta que “com juros altos e um orçamento público restrito, o país investe pouco em ciência”, criando um obstáculo para projetos de longo prazo, como a nanotecnologia, que demandam pesquisa e desenvolvimento intensivos.
Outro ponto crítico, segundo ele, é a dificuldade em formar e reter profissionais altamente qualificados. Gameiro, da Bluenano, o recrutamento para P&D no Brasil é algo desafiador, uma vez que muitas empresas precisam buscar especialistas no exterior, inclusive na Ásia. Essa carência de mão de obra especializada não apenas freia o avanço da pesquisa local, mas também limita a capacidade do país de traduzir descobertas científicas em produtos e processos inovadores, perdendo a oportunidade de criar um ecossistema robusto de nanotecnologia.
No entanto, ainda há otimismo vindo do setor de investimentos. Rodrigo Azevedo, CEO da GT Capital, diz que o investidor não precisa ser um especialista para apostar na nanotecnologia, podendo acessar esse mercado por meio de ETFs e fundos de índice. Essa abordagem democratiza o investimento e permite que pequenos e médios investidores participem do crescimento do setor. O desafio, segundo Azevedo, é mudar a mentalidade do investidor brasileiro, que muitas vezes prefere a segurança da renda fixa, para que entenda que “volatilidade é o preço da oportunidade” em mercados de alto potencial de crescimento.
Para os especialistas, se o Brasil quiser aproveitar essa “revolução dos materiais”, é preciso adotar um pensamento de longo prazo e um esforço conjunto entre governo, academia e setor privado. Carlos Johannpeter reforça que o país possui recursos naturais, uma base científica robusta e uma sociedade empreendedora, elementos considerados por ele essenciais para o crescimento da nanotecnologia. Para o especialista, a hora de agir é agora, “para que o Brasil não fique para trás e possa se posicionar como um líder global”.