cezar taurion

Projetos de inteligência artificial precisam ser mais inteligentes

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Na avaliação do VP de inovação da CiaTécnica Consulting, Cezar Taurion, depois do hype inicial, o mercado de inteligência artificial está começando a amadurecer



Por Redação em 24/01/2022

Na década de 1980 já existiam projetos de inteligência artificial (IA), mas ainda não se falava em redes neurais e aprendizado de máquina (machine learning). Esses projetos eram, basicamente, uma árvore de decisões que buscava repetir o potencial de um especialista. A partir de 2010, com capacidade computacional e muitos dados, surgiram algoritmos mais sofisticados e o interesse pela tecnologia aumentou, mas, na avaliação do vice-presidente de inovação da Cia Técnica Consulting, Cezar Taurion, esse hype foi prejudicado por aspectos “emocionais”. 

“Houve um entusiasmo exacerbado pela IA e muita gente entrou no mercado de maneira ingênua. Hoje, sabemos que inteligência artificial não é algo tão simples”, disse ele, em entrevista ao Próximo Nível. 

Segundo Taurion, que é estudioso do tema e autor de onze livros que abordam transformação digital, inovação, big data e tecnologias emergentes, durante essa fase de euforia a IA foi superestimada. “Avalio que algo entre 80% e 90% dos projetos não saíram da fase de testes, em decorrência do despreparo dos profissionais e das próprias empresas”, diz. Confira os principais trechos da entrevista exclusiva. 

Qual o cenário da inteligência artificial no Brasil?

Cezar Taurion – Após a fase do entusiasmo inicial, os projetos estão amadurecendo. Muitos deles não tiveram sucesso por diversas razões. Não se trata apenas de criar um algoritmo, é preciso contar com profissionais especializados, que saibam analisar os dados, para evitar que algum tipo de viés interfira nos resultados. É necessário ter um olhar humano que adeque as informações, faça a limpeza dos dados e faça com que elas se integrem e interajam com os sistemas da empresa.

inteligencia artificial

Depois dessa primeira fase, constatamos que inteligência artificial não é tão simples. No passado, havia cursos de “cientista de dados” com carga horária de 8 horas, fornecedores que prometiam um algoritmo por dia. Isso não é viável! É preciso escolher variáveis, adaptar o algoritmo às características de operação de cada negócio. Nem tudo se faz em um passe de mágica, existem problemas e desafios que precisam ser solucionados. Na verdade, é preciso ter um olhar humano por trás da inteligência da máquina.

Então, um dos desafios da IA é a qualificação e experiência dos profissionais?

Cezar Taurion – Sim, sem dúvida. Boa parte do trabalho de inteligência artificial é selecionar e limpar dados, integrá-los aos demais sistemas do negócio, entender determinadas particularidades. Não basta ter um algoritmo elaborado por um fornecedor, a empresa precisa entender que seus dados são diferentes dos dados desse fornecedor e o sistema precisa ir se ajustando. 

Para isso, é necessário que os profissionais estejam capacitados. É fundamental ter boa base matemática, pois machine learning é um conjunto de modelos matemáticos. Mas nosso modelo de educação, ele apresenta uma grande deficiência na área matemática. 

Além disso, há uma série de fenômenos e modelos matemáticos que demandam um olhar humano mais atento. Um deles, por exemplo, é o que chamamos de efeito “à deriva”, ou seja, quando há um desvio da rota. Ocorre quando um algoritmo é utilizado para modificar processos de negócio, mas, ao modificá-lo, novos dados começam a entrar. Por isso o monitoramento contínuo é imprescindível. Outro fenômeno é o “alzheimer” do algoritmo, que com o tempo desaprende a utilizar os dados anteriores. 

E há, atualmente, profissionais o suficiente para isso?

Cezar Taurion – A falta de mão de obra qualificada é um problema não somente na área de tecnologia. Por exemplo, vejo falta de fluência digital em grande parte dos executivos de grandes empresas. Eles precisariam ter visão clara dos impactos e o que a tecnologia vai agregar ao negócio. Vejo essa falta de visão, pois os executivos são treinados no mundo analógico, deixando a tecnologia para o setor de TI. Mas o CEO tem que estar engajado. Essa carência de informação acontece em vários segmentos. Na área de medicina, é consenso que os médicos precisam ser treinados para a digitalização. Não adianta ter as ferramentas disponíveis se os profissionais não sabem utilizá-las em seu favor. E a área de saúde é uma das que mais podem ser beneficiadas com a IA. 

Como a IA contribui para a saúde?

Cezar Taurion – De diversas maneiras. Um sistema de inteligência artificial consegue analisar inúmeras variáveis, de forma muito mais objetiva do que um ser humano. Mas ela, sozinha, não resolve. O médico precisa ter experiência e intuição para tomar decisões com base nas análises feitas por IA. Isso é determinante para várias situações, desde a decisão pela ocupação de um leito hospitalar até a percepção de que determinado exame é necessário para o diagnóstico do paciente.

inteligencia artificial saude

Além disso, o algoritmo precisa trabalhar com dados médicos reais. Por exemplo: um medidor de batimentos cardíacos precisa ser alimentado com parâmetros reais, que possam apontar alguma eventual anormalidade. 

Os avanços nessa área são muito grandes. Em um futuro próximo, as pessoas poderão monitorar sua saúde em tempo real, por meio de aplicativos médicos capazes de identificar determinadas condições de risco. Eletrocardiograma, pressão arterial, análise da íris e vários outros aspectos poderão ser checados por meio de um aparelho celular. Ao mesmo tempo, acredito que a tendência é de que, cada vez mais, os profissionais de medicina usem soluções digitais. O estetoscópio poderá ser substituído por um smartphone.

Isso exige não apenas educação digital do profissional de saúde, mas os pacientes também, certo?

Cezar Taurion – Sim, mas essa é a tendência. Daqui a alguns anos, um adolescente que hoje tem 14 anos será médico ou paciente. E a nova geração tem um pensamento e relacionamento com a tecnologia muito diferente das anteriores. A multidisciplinaridade será cada vez mais importante.

Faço parte de um grupo da Associação Médica Brasileira que já está discutindo a formação dos profissionais dentro deste contexto. Nos próximos anos, a tecnologia digital será auxiliar dos médicos, mas os pacientes, por sua vez, serão mais receptivos às inovações. Tais avanços serão muito importantes, especialmente na área de medicina preditiva. Porém, sempre é necessário ter em mente que olhar resultados é algo feito de forma rápida pela máquina. O lado humano é o que precisamos resgatar na medicina. Os profissionais terão que usar os recursos de forma auxiliar, nunca terceirizando as decisões para a inteligência artificial. 

Além da medicina, que outras áreas podem se beneficiar com a IA?

Cezar Taurion – Indiscutivelmente a área de saúde é uma das mais importantes. Mas qualquer setor tem aplicações que são beneficiadas com a IA. Na educação, os professores poderão se tornar curadores de conteúdos e oferecer melhores experiências de aprendizado aos alunos. Em indústrias, a IA contribui para a manutenção preditiva de equipamentos e melhoria de uso. 

No varejo, é possível oferecer melhores experiências de compra aos clientes, com integração de todos os canais de venda. Em e-commerces e serviços de streaming, isso já  vem sendo utilizado. Quando as plataformas indicam itens que seriam de “sua preferência”, foi um algoritmo que deduziu isso, com base em escolhas anteriores. E isso sem dúvida oferece ao consumidor uma melhor experiência de compra. Hoje, abrimos mão de uma certa privacidade para termos maior conveniência. 

Há outros avanços que prometem melhorar a experiência do usuário?

Cezar Taurion – A área de seguros é bastante promissora também. As ofertas de seguros automotivos, por exemplo, tendem a ter apólices com valores bastante semelhantes para um mesmo tipo/ modelo de veículo, mesmo que o motorista guie com mais cuidado ou circule em áreas menos arriscadas. Então, por que clientes com diferentes perfis pagam os mesmos valores? É um mercado ainda bastante conservador. 

A IA pode ser uma estratégia para equilibrar isso e, inclusive, viabilizar produtos na modalidade “pay-per-use” – quando o segurado paga o seguro somente durante o tempo de uso do automóvel. Assim, um veículo que fica estacionado praticamente o tempo todo em uma garagem fechada não precisará pagar o mesmo valor que um similar que estaciona na rua e fica em circulação a maior parte do tempo. Esse é o futuro, que será totalmente viável em poucos anos. 



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