Apesar do potencial brasileiro para redes privativas móveis, os especialistas nessa área apontam desafios que precisam ser superados. Durante o MPN Forum, evento recém realizado em São Paulo e focado no segmento, vários deles pontuaram as correções de rotas necessárias, inclusive a lentidão na adoção das chamadas MPN, sigla em inglês para mobile private networks.
Marco Szili, sócio-fundador da Telesys, aponta que as decisões de implantação da tecnologia são lentas em função, principalmente de dois entraves: a falta de conhecimento básico sobre as MPNs e a presença restrita de integradores especializados. No primeiro caso, o executivo lembra que muitos decisores chegam a confundir as redes privativas móveis com Wi-Fi.
Ele também reiterou a necessidade de ampliar os integradores que conheçam 4G LTE e 5G e propõe criação de certificações e treinamentos. Uma das soluções para a formação de mão de obra seria o envolvimento do Senai, instituição que também pode criar um mindset favorável para as redes privativas móveis nas associações que envolvem as indústrias.
“O retorno sobre investimento (ROI) é fundamental para incentivar o uso de redes privativas e é o que chega aos conselhos de administração”, resumiu Szili, ao defender que os projetos sejam pensados como business case e possam ser ampliados à medida que forem bem-sucedidos.
Alexandre Gomes, Diretor de marketing para grandes empresas e governo da Claro empresas, destacou que a integração de redes privativas é complexa, envolvendo não apenas telecomunicações, mas a conexão de aplicações na nuvem, edge computing e outras tecnologias.
As MPNs, para ele, trazem a infraestrutura para a transformação digital e podem potencializar o uso de aplicações e tecnologias emergentes. Para ele, o avanço das redes privativas marca o início de uma nova tendência e é um processo que precisa de um tempo de maturação.
Sobre os integradores, Gomes lembra que as próprias operadoras têm parceiros nessa área e que podem reforçar o papel das redes como habilitadoras digitais e não somente como uma infraestrutura de telecomunicações. Ele também aposta na oferta de soluções-chave, que podem ser replicadas para vários segmentos.
Para o executivo, os casos de redes privativas móveis igualmente precisam ter indicadores claros de resultados. Um exemplo é a redução de acidentes com uso de videomonitoramento em tempo real, tendo as MPNs como infraestrutura viabilizadora.
O diretor da Claro empresas ainda identificou a falta de dispositivos como um desafio para a evolução do ecossistema de redes privativas móveis. Vinicius Caram, superintendente de Outorga e Recursos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), trouxe dados que comprovam a avaliação de Gomes.
Segundo o superintendente, haveria atualmente apenas 13 rádios 5G homologados na faixa de 3.700 MHz e 3.800 MHz, e outros 31 nas faixas de operação entre 2.390 MHz e 3.400 MHz.
As observações são relevantes, conforme Samuel Lauretti, diretor da Tropico, integradora de redes privativas com atuação em várias verticais, inclusive com caso de sucesso na RGE, distribuidora de energia da CPFL que opera no Rio Grande do Sul.
Ele lembra que a faixa de 3.700 MHz é indicada para aplicações de MPNs nos setores industriais, que hoje lideram as implementações no Brasil. Trata-se de uma faixa que permite a transmissão de altíssimas taxas em áreas restritas.
Já a faixa de 2.300 MHz é indicada para áreas mais amplas com raios de 3 km a 5 km, caso de instalações portuárias, que demandam a integração de vários dispositivos. A faixa de 700 MHz é a preferencial do agronegócio e tem mais amplitude de raio, chegando a 10 km, podendo ser aplicado ainda em indústrias e portos.
O último grupo de espectro envolve faixas de 250 MHz e de 400 MHz, ambas indicadas para aplicações que não demandam alta transmissão de dados, mas que pedem um raio de cobertura maior. É o caso das distribuidoras de energia e de algumas aplicações rurais mais remotas, onde uma rede privada móvel pode ser estruturada para atingir de 10 km a 20 km de alcance.
Renato Bueno, diretor de Redes Móveis da Nokia, destacou a necessidade de envolvimento dos players tradicionais que atuam nos nichos potenciais para adoção de MPNs. Entre os exemplos ele citou empresas como Caterpillar, Komatsu e CNH.
Segundo o executivo, esses fabricantes têm mais propriedade para falar sobre os negócios onde atuam do que os especialistas de telecomunicações. Por atuarem há longo tempo em setores como agro e mineração, os fabricantes de equipamentos devem ser aliados no processo de ativação das redes privativas móveis.
E não sem razão: as MPNs podem habilitar várias funcionalidades de automação e monitoramento embutidas, entre outros, em caminhões e máquinas agrícolas.
Cristiane Sanches, vice-líder do conselho de administração da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), reforçou o conceito das redes privadas móveis como habilitadoras de novas tecnologias.
Para a especialista, as verticais potencialmente usuárias de MPNs precisam de soluções inovadoras. Ela lembra que a abordagem multitecnológica deve ser o padrão. Em outras palavras: ter em mente que as soluções futuras de redes privativas móveis precisam envolver o uso complementar de 5G com Wi-Fi, network slicing e redes milimétricas, para citar apenas alguns exemplos.
Estratégias para vencer barreiras
Apesar dos desafios, os especialistas presentes ao MPN Forum também indicaram caminhos para que a tecnologia avance. A cartilha básica envolve algumas iniciativas como a educação e evangelização da indústria, com foco nos integradores e na mudança de mindset dos segmentos potenciais em relação às redes privativas móveis.
Outra iniciativa é a demonstração de valor e ROI, inclusive com estudos de caso. A ideia também é focar nas “dores” e necessidades do cliente, ou seja, entender a demanda da operação e da indústria, que são os usuários finais da tecnologia.
A integração ao ecossistema é fundamental. Dessa forma, os players de telecomunicações e tecnologia da informação precisam envolver os players históricos dos mercados potenciais. Junto com eles, os especialistas em MPNs também podem estruturar testes e modelos inovadores, inclusive utilizando sandboxes para avaliar alternativas em ambiente controlado.
O receituário mais imediato para as empresas que querem entrar nas estatísticas das redes privadas móveis envolve a obtenção do licenciamento junto à Anatel. Rafael Vicentini, arquiteto de soluções da Ciplan, lembra que a outorga é parte desse processo e pode levar à atrasos, se não for bem executada.
O rito com várias etapas, começa com acesso ao primeiro sistema da agência reguladora – o SEI – onde é necessário, entre outras coisas, indicar os responsáveis legais pela rede. Na etapa seguinte, os dados técnicos da instalação devem ser incluídos num segundo sistema, chamado de Mosaico.
Vicentini destacou que o segundo sistema é um aperfeiçoamento da Anatel e tem facilitado o processo de outorga, ao automatizar o input das informações do plano de radiofrequência, queimando etapas que anteriormente envolviam a inclusão trabalhosa de informações.
Com isso, o tempo médio de obtenção, de acordo com ele, é de três meses, independentemente da quantidade de componentes da futura rede, exatamente porque a inclusão de dados técnicos foi automatizada.