Quando Roberta Buzar começou a carreira, há quase 25 anos, pouco se falava de equidade de gênero. O machismo, para além das empresas, era mais arraigado em toda a sociedade: “quem era jovem nessa época lembra que os garotos puxavam o cabelo, pegavam nos ombros, para paquerar”, diz. Com o passar do tempo, campanhas como a Me Too vêm ajudando a explicitar – e cobrando mudanças – sobre esses comportamentos. Mas o cenário da equidade de gêneros ainda é distante, e precisa de apoios.
Nas empresas brasileiras, apenas 17% das CEOs eram mulheres em 2022, segundo a pesquisa Panorama Mulheres, realizada pelo Talenses Group em parceria com o Insper. Em outros cargos de liderança, as participações também são minoritárias, segundo o levantamento: apenas 34% das vice-presidentes são mulheres, 16% conselheiras e 26% diretoras. A disparidade fica clara quando lembramos que 51,5% da população brasileira é mulher.
Como líder de vendas da Embratel, unidade B2B da Claro, Roberta Buzar age para mudar esse cenário. Mais do que lutar pelo equilíbrio de gênero e de outras diversidades dentro da equipe que conduz, ela se envolve ativamente em grupos de apoio voltados para o avanço profissional das mulheres e no combate à violência, além de desempenhar o papel de mentora em programas dedicados a capacitação de pessoas para o setor de tecnologia.
“Todas temos de ter esse objetivo [de promover mulheres no mercado de trabalho]. Só assim teremos mais gerentes, diretoras, VPs e CEOs mulheres”, diz.
Acompanhe, nesta entrevista, como ela age e conduz o seu dia a dia nessa trajetória.
Como você se tornou uma líder de vendas?
A minha carreira não começou em vendas, começou no marketing. Eu sou formada em publicidade e propaganda e depois fiz MBA em marketing. Eu comecei em um mercado que nada tem a ver com tecnologia: o de beleza, em uma pequena distribuidora de cosméticos onde pude observar de perto como as estratégias de marketing influenciam diretamente nas vendas, aplicando treinamentos e consultorias para o time comercial. Assim nasceu meu interesse em trabalhar com vendas diretamente. Como a empresa era pequena, e não tinha espaço para que eu migrasse e crescesse profissionalmente, decidi procurar outro desafio.
Quando foi isso?
Há 19 anos. Enquanto eu cursava o MBA em marketing, conheci uma pessoa que trabalhava na Claro. Me interessei pelo setor de tecnologia, mas não conhecia absolutamente nada a respeito. Isto não me impediu de participar do processo seletivo, ser aprovada e começar a trabalhar em um segmento completamente novo, totalmente dedicado à telefonia móvel.
Comecei como executiva de contas, que é a pessoa que está no dia a dia, ligando para o cliente, fazendo venda diretamente. A pessoa que me contratou era uma mulher, Anita Roquete, e isso fez toda a diferença na minha trajetória profissional. Considero que ela foi, informalmente, a minha mentora.
Como ela te estimulou?
Orientando-me, primeiramente. Depois, ela identificou que eu tinha uma capacidade de liderança diferente dos meus pares, e confiou a mim a coordenação da área. Enfim, foi ela quem provocou o início da minha trajetória de liderança. Trabalhei durante muitos anos como coordenadora na Claro, até que, em 2015, passei a integrar a estrutura da Embratel.
Como foi esse período?
Foi um grande desafio na minha vida. Recebi um choque cultural grande, pois a Claro é uma empresa mais jovem, no que diz respeito ao tempo de existência mesmo. Além disso, eu trabalhava apenas com um produto, que era a telefonia móvel, enquanto a Embratel tem um leque enorme de soluções digitais. Um terceiro desafio foi que a equipe que eu tinha de liderar na Embratel era mais velha e, nesse aspecto, é preciso considerar os preconceitos embutidos em cada geração.
O preconceito, geralmente, é velado. Então, posso dizer que nunca sofri machismo diretamente, por exemplo. Mas já aconteceu de alguém falar algo machista ao meu lado, ou de homens em uma reunião fazerem piadas sexistas. Lá em 2015, eu não sabia como lidar com isso. Hoje, eu sei: mudo o semblante na hora e assim permaneço até a pessoa entender que eu não gostei e não vou compactuar.
Você falou de diferenças geracionais e de como isso está relacionado à preconceitos…
Veja: eu tenho uma filha de 14 anos, e ela e as outras meninas da geração dela reagem com tremenda veemência diante de uma situação machista. Elas têm tolerância zero para o preconceito. Antes desta nossa conversa aqui, eu falava com a minha primeira mentee (nome do programa de mentoria da Claro). Sim, passei a ser mentora na Claro e já vou falar sobre isso. Mas, assim como a maioria dos jovens da geração Z, percebi que havia uma tremenda insegurança corporativa nela. Eu me lembro que, no começo da carreira, essa insegurança também existia em mim, e foi a formação intelectual, com cursos, que me trouxe segurança. Então, a segurança de lidar com as situações de preconceitos já é uma questão geracional a ser considerada. Hoje, aos 45 anos e parte da geração X, por exemplo, me sinto segura, inclusive para saber em que “briga eu entro”.
Você se definiu como parte da geração X, mas, quando iniciou no mercado de trabalho – e até hoje – havia pessoas mais velhas (baby boomers). Como é essa relação sob a ótica de ser mais nova?
Complexa (risos). Entrei na Embratel como coordenadora de uma equipe mais velha. Eu me recordo que, na minha primeira equipe, havia um gerente de contas na faixa de 60 anos de idade, que respondia a mim. Eu tinha 35 anos e tivemos muita dificuldade de relacionamento. Ele tinha um preconceito por eu ser mais jovem e, acredito, também por eu ser mulher. Isto nunca foi falado explicitamente, mas eu percebia nas falas, nos olhares, nas interrupções sobre as minhas falas durante as reuniões… enfim, ele sempre achava que sabia mais que eu. No dia a dia, isso me consumia, a ponto de eu pensar em desistir. E foram outras mulheres que me seguraram, que me deram o contraponto. Aliás, o fato da minha gestora ser mulher me dava a segurança e a inspiração de que eu poderia fazer mais, de que eu poderia aplicar alguma mudança positiva para a empresa.
Neste mês de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher, muito tem se falado desse apoio, no sentido de que uma mulher suporta e apoia a evolução da outra…
Foi exatamente isso. Ela foi me ajudando, me dando algumas dicas. Chegou a fazer uma mudança no meu time, pois percebeu que talvez eu precisasse de pessoas mais adequadas ao meu perfil para entregar os resultados. E assim as coisas foram se desenvolvendo.
Você considera que as suas ações sociais e de mentoria são uma sequência disso?
Com certeza. Eu sempre fui adepta à igualdade de gênero, algo que minha mãe impulsionou. Mas eu não tinha uma ação direta para isso. Até que, na pandemia, tomei a decisão de realmente começar a fazer um trabalho mais focado em ajudar mulheres – e também outros grupos minoritários – a alavancar as suas carreiras. A pandemia teve muita coisa ruim, que todos que vivemos sabemos. Mas um ponto interessante foi o modelo de trabalho remoto. Ele me permitiu participar de muitas reuniões online com o corpo de diretores e até com o CEO da empresa. Isto me adicionou muito conhecimento e, consequentemente, segurança. Por não termos deslocamento, também me vi com mais tempo para estudar, e fiz diversos cursos. Um deles, na PUC-RS, teve a Luiza Trajano, falando de modelo de liderança e de um projeto que ela lidera: o Mulheres do Brasil. Entrei nesse grupo em 2021 e fui muito bem acolhida. Desde então, começou a minha trajetória em prol das mulheres e da igualdade social.
Antes de voltarmos às ações em que você está envolvida, poderia falar mais um pouco da sua mãe e da sua influência familiar?
Eu venho de uma família bem estruturada. Os meus pais estão juntos até hoje e tenho um irmão mais novo. A minha mãe é dentista e o meu pai é engenheiro. Isto, porém, não elimina o contexto de época, generalizadamente de criações machistas. Por isso eu digo para a minha mãe que ela foi a primeira mulher feminista que eu conheci, apesar de ela não reconhecer isso. Eu digo porque a minha mãe sempre falou, e sustentou, que “lá em casa os direitos são iguais”. E assim foi: se o meu irmão pudesse levar uma namorada em casa, eu também poderia levar o meu namorado. Se o meu irmão pudesse ir para a balada, eu também poderia. E assim por diante. Hoje, reflito que foi essa criação que me encorajou a pensar: “por que eu não posso ter o mesmo direito que os homens?”. E eu via, obviamente, que as mulheres no geral não tinham os mesmos direitos, inclusive no crescimento profissional.
Você avalia que isso tudo culmina, hoje, na sua participação no Mulheres do Brasil e nas mentorias?
Exatamente. Eu participo de algumas ações, entre elas, sou mentora do SoulCode Academy, que é totalmente gratuito e tem como intuito formar pessoas para as áreas de tecnologia. Não é uma mentoria exclusiva para mulheres, mas há alguns grupos específicos, com ações, aulas etc. direcionadas para as mulheres. Eu descobri esse projeto em um evento de tecnologia, em Salvador, quando eu conheci a idealizadora, a Carmela Borst, que também faz parte do grupo Mulheres do Brasil. Conversamos bastante, e eu fiquei apaixonada pelo projeto. A Carmela me convidou para fazer parte dele e compartilhar o meu conhecimento desses anos em que atuo no setor de tecnologia. Neste mês de março, eu realizo uma mentoria do SoulCode Academy dedicada às mulheres, e estou feliz por isso, porque, realmente, é o que eu mais gosto (risos).
Você realiza outras mentorias?
Sim. Desde novembro passado eu sou mentora do Instituto Vasselo Goldoni (IVG), cuja missão é trabalhar o empoderamento humano, sororidade entre as mulheres e a igualdade de gênero desde o final de 2023. Também comecei um trabalho de mentoria na própria Claro, como comentei anteriormente.
Por tudo que nos disse, a sua missão parece bastante voltada à equidade de gênero no ambiente corporativo, o que depende, também, da parceria dos homens para um sucesso amplo. Como você avalia o comportamento dos homens nesse sentido?
Nos últimos tempos os homens estão olhando para o machismo e percebendo que não dá mais para mantê-lo. Acho que, aos pouquinhos, portanto, a gente está mudando esse comportamento. Acho também que isso está muito ligado à questão de gerações, como comentei anteriormente. Eu participei de um workshop de uma estudiosa em gerações, a Thais Giuliani, e ela ressaltou as dificuldades das diferentes gerações dentro de empresas tão grandes, como a Claro. O ponto de vista dela é muito interessante, no sentido de que eu, fazendo mentoria para uma menina de geração Z, preciso me comunicar de forma mais eficiente, entrando no universo dela para poder me conectar. É preciso, segundo essa especialista, que a geração mais velha olhe e se adapte à geração mais nova.
Por outro lado, a geração mais nova precisa aprender a entender e respeitar o comportamento das mais velhas. E isso é muito complexo, porque envolve, inclusive, os preconceitos embutidos. Então, sendo prática, é totalmente legítimo que as meninas da geração Z defendam arduamente o respeito à diversidade, sendo contrárias a qualquer tipo de preconceito. Mas acredito que a forma como elas comunicam esse posicionamento precisa ser dosada, para que o diálogo seja possível
É possível utilizar esse conhecimento e também esse engajamento dentro das suas ações como líder corporativa?
É o que procuro fazer. Sempre prezo por ter ao menos a metade do quadro do meu time composto por mulheres, por exemplo. Inclusive, recentemente, ajudei o RH a encontrar candidatas para algumas vagas que tínhamos. Todas temos de ter esse objetivo [de promover mulheres no mercado de trabalho]. Só assim teremos mais gerentes, diretoras, VPs e CEOs mulheres.