TECH APLICADA: Piracicaba, o Vale do Silício da agricultura brasileira

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Mateus Mondin, doutor e professor da Esalq, fala sobre a inovação no campo do agronegócio brasileiro, em entrevista exclusiva



Por Redação em 13/08/2018
Tech Aplicada é uma série de entrevistas que pretende contextualizar as tecnologias, mostrando suas aplicações reais em cinco setores de mercado: agricultura, serviços, saúde, energia e varejo. Falaremos com especialistas para trazer a visão apurada de quem está na linha de frente. Descubra, neste primeiro conteúdo, como o setor do agronegócio avança rapidamente.

Com a perspectiva de 10 bilhões de pessoas em 2050, o mundo precisará aumentar em 70% a produção de alimentos, de acordo com estimativas da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) Nesse cenário, empresas que desenvolvem tecnologias que ajudam o agricultor a otimizar o tempo durante a produção ganham valor e entram no horizonte de incubadoras e investidores, projetando o meio rural brasileiro no campo da inovação.

As agritechs, start-ups ligadas ao agronegócio, estão superando os desafios de conexão e infraestrutura e se popularizando rapidamente – são ao menos 144 no Brasil, um avanço significativo diante das 76 de dois anos atrás. Na prática, isso significa sistemas de irrigação por gotejamento em lavouras de café, em São Paulo e no Espírito Santo; tratores e colheitadeiras inteligentes, que já calculam rendimento e perda enquanto a máquina ainda está fazendo a colheita; campos de pasto para gado sendo monitorados por drones, assim como fazendas de eucalipto para produção de celulose, por exemplo.

Parte da inovação nacional vem da região de Piracicaba, em São Paulo, que ganhou o nome de AgTech Valley, o Vale do Silício brasileiro da agricultura. Mateus Mondin, doutor e professor da Esalq (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, unidade da Universidade de São Paulo voltada ao ensino, pesquisa e extensão universitária nas áreas das ciências agrárias, sociais aplicadas e ambientais), é um dos mentores do Vale do Piracicaba e também presidente do conselho da ESALQTec, incubadora da universidade. Ele diz que é difícil competir com a capacidade mercadológica estrangeira e que muitas iniciativas tecnológicas são vendidas para o exterior. O brasileiro está produzindo soluções de interesse global, mas elas nem sempre ficam aqui.

Quais são os polos tecnológicos brasileiros de destaque?
Mateus Mondin: Do ponto de vista de utilização, há vários. O que nos chama primeiramente a atenção são as grandes extensões de terra no Cerrado brasileiro, com aquelas fotos lindas de dezenas de máquinas simultâneas trabalhando. Porém, os polos de produção agrícola tecnológicos vão muito além do Cerrado. Temos na produção de flores, frutas, leite, gado, floresta e outros. Além disso, há movimentos mais silenciosos, como as fazendas urbanas e a produção de orgânicos. Em relação à criação de soluções e inovações tecnológicas, os ecossistemas econômicos, certamente o triângulo São Paulo-Campinas-Piracicaba, que apresenta os atributos de forma mais completa.

Como Piracicaba se desenvolveu nesse sentido?
MM: Piracicaba tem características únicas para a formação de um ecossistema de inovação, tecnologia e empreendedorismo na agricultura. Por incrível que pareça, o primeiro fator é a cidade ter pelo menos 300 mil habitantes. O segundo é que a cidade tem um sistema educacional completo, de escolas fundamentais a universidades. Dentro desse sistema, destaca-se a ESALQ-USP como um centro de gravidade, pela excelência em pesquisas de ponta em agricultura que a coloca como uma das mais importantes instituições no mundo. Além disso, as demais universidades formam uma série de profissionais que completam a rede complexa que é necessária para que as inovações ocorram. Em um ambiente extremamente rico de intelecto, surgem ideias inovadoras, que viram start-ups e empresas.

Qual o objetivo do “Vale do Piracicaba”?
MM: Piracicaba tem uma história empreendedora, desde sua fundação. Ali surgiram grandes empresas e grandes inovações. Nos tempos modernos, o que faltava era organizar e mostrar para os envolvidos que eles formavam uma grande rede. Um dos nossos objetivos com a criação da campanha do AgTech Valley – Vale do Piracicaba foi atrair os olhos de investidores, empreendedores e outros, com investimentos para o local e os elementos que faltavam para a criação de um ecossistema. Estar dentro de um ecossistema é a melhor chance de sobreviver, e conseguimos criar a dinâmica necessária para o crescimento. Piracicaba, hoje, contém todos os elementos de um verdadeiro ecossistema, considerando os elementos tangíveis e os intangíveis, como cultura, serviços, qualidade de vida e outros.

Quais avanços tecnológicos recentes você destaca como os mais transformadores?
MM: O avanço mais significativo que teremos na agricultura será o uso de microrganismos, como fungos e bactérias. Eles auxiliarão as plantas na proteção contra o ataque de doenças e serão úteis na nutrição do solo, no crescimento e na produção, no uso eficiente da água, na resistência contra a seca e no controle de plantas daninhas. Essa utilização não é novidade, mas despertará programas de melhoramento genético que criarão cultivares com melhor capacidade de interação com esses organismos. Consequências dessas tecnologias serão: menor dependência do uso de fertilizantes minerais, redução significativa no uso de agroquímicos para controle de pragas e doenças, incremento na sustentabilidade ambiental, na qualidade dos alimentos e na segurança alimentar.

Quão avançado o Brasil está na agricultura de precisão em relação a outros países?
MM: Não há diferença entre a agricultura de precisão do Brasil e a de outros países. Inclusive, temos tecnologia própria para agricultura de precisão, da parte de computação até ao desenvolvimento de sensores e equipamentos. O que acontece é que as empresas estrangeiras entram com uma capacidade mercadológica muito superior à de uma start-up nacional, sendo quase impossível competir. Os investimentos feitos nas empresas brasileiras são insignificantes perto dos montantes que os projetos recebem no exterior. Isso faz com que a nossa inovação ande em marcha lenta, nos torna pouco competitivos. Exemplo disso é a aquisição das start-ups brasileiras por empresas estrangeiras. O lado positivo é que criamos soluções de interesse global; o negativo é que cedemos tecnologia a um custo extremamente baixo, não produzimos empresas de impacto global e o controle da tecnologia utilizada em nossa agricultura continua nas mãos de empresas estrangeiras.

O que a tecnologia pode fazer pela agricultura e pelo meio ambiente no futuro?
MM: A tecnologia não pode fazer nada, quem faz são as pessoas por trás da tecnologia. Uma das coisas que mais me fascinaram no mundo agrícola é a consciência. A consciência do produtor, a consciência das empresas, a consciência dos pesquisadores. Nunca conheci ninguém ligado ao agro com uma visão que não fosse de produzir mais, com melhor qualidade e com menos impacto ao ambiente. Infelizmente, criaram-se paradigmas que desvalorizaram o sistema rural e trouxeram grande retrocesso em todas as escalas. Felizmente, estamos conseguindo reverter. O Brasil tem a maior área conservada de vegetação nativa no mundo e continuará assim. Aumentaremos nossa produção de alimentos em até quatro vezes sem derrubar uma árvore sequer. Temos o maior programa de recuperação de áreas de vegetação nativa do mundo e mais de 99% dos produtores aderiram. Produziremos com mais qualidade e com menos impacto.



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