Uma sessão que permeou a configuração de mercado, usabilidade de aplicativos, tecnologia de transmissão e sustentação financeira do negócio refletiu bem a diversidade e as estratégias inter-relacionadas de players no setor de streaming. “O streaming transformou a visão sobre quem são os concorrentes e parceiros. Os mesmos agentes podem cumprir papéis diferentes em cada contexto. As fronteiras entre fabricantes, empresas de software, operadoras e produtores de conteúdo ficam fluidas”, observou Salustiano Fagundes, coordenador do grupo de trabalho de OTT e streaming da SET e mediador do painel Conquistando a tela grande: desafios e soluções no desenvolvimento de TV conectadas, no SET Expo 2024, que reuniu profissionais de emissoras e fabricantes.
Conteúdo e preços com a cara do consumidor
Janaína Tadeu, gerente de conteúdo e estratégia de negócios para a América Latina da LG Eletronics, enfatizou o crescimento e os desafios para as plataformas FAST (free ad-supported streaming television) no Brasil e na região. “Os fabricantes que não incluírem canais FAST em seus televisores vão ficar em desvantagem”, afirmou.
Da perspectiva das plataformas, ela estima que a receita publicitária deva ultrapassar US$ 350 milhões até 2028. “Já vemos muitos assinantes de SVOD (video on demand pago) migrando para AVOD (vídeo on demand financiado por publicidade). Ver um anúncio de 30 segundos antes de assistir um vídeo não deixa o usuário tão desconfortável”, avaliou.
A especialista observou que a grande lacuna na América Latina é o índice de 20% dos cerca de mil canais ativos com conteúdo localizado (traduzido) ou local. “As plataformas FAST começaram com conteúdo de acervo. Nos EUA já há investimentos em produção original e exclusiva. A disponibilidade de programas direcionados aos mercados locais se reflete no interesse dos anunciantes”, disse.
Paulo Seixas, coordenador técnico do Sidia, destacou que a pandemia acelerou o aprendizado de métodos de produção remota que podem ajudar a gerar volume de produção local. Entre os objetivos e tendências para streaming, sustentados por assinaturas, publicidade ou ambos, ele mencionou a segmentação, para publicidade direcionada a nichos. Do lado do mercado consumidor, observou que já há mais escalabilidade em preços. “Mesmo quem inicialmente colocava a ausência de anúncios como diferencial teve que flexibilizar”, lembrou.
Situar o cliente em uma tela cheia de escolhas
Guilhermo Reis, gerente de UX da Claro TV+ e autor do livro Fundamentos de UX, em que dedica um capítulo a smart TV, focou nas melhores abordagens para busca e navegação em TVs conectadas. “As três questões mais difíceis de responder são a origem do universo, como surgiu a vida e o que quero assistir na TV hoje”, ironizou.
Reis sumarizou quatro pilares para facilitar as escolhas. Na tela inicial, a agregação de plataformas em uma única interface, com várias plataformas e canais de TV e streaming no mesmo menu.
Outras duas premissas são o uso de recomendações por algoritmo e curadoria humana. “São muitas novidades e lançamentos. Precisamos de gente para orientar os clientes”, enfatizou Reis.
Também é necessário customizar a forma de navegação, não apenas pelo perfil de usuário, mas também pelo modelo de busca mais apropriado em cada momento.
“O usuário pode procurar conteúdo já conhecido; fazer uma ‘busca exploratória’, em que tem noção embora não saiba exatamente o que quer. Ou pode querer ver tudo que está disponível em uma ‘busca exaustiva’. Para cada um desses comportamentos, a interface deve se adaptar. Se o usuário quiser escolher opções entre uma programação conhecida, basta o logo e um preview do programa para se situar. Mas se está buscando em uma lista de filmes, o ideal é que a descrição apareça na mesma tela, sem que tenha que dar mais um clique, abrir outra página e voltar. E se ainda assim nada no menu lhe tiver feito clicar no ‘assistir’, uma lista de tags ajuda a decidir se está em um dia bom para ver comédia, documentário ou filmes de ação”, exemplificou.
Qualidade perceptível e custos sob medida
Em uma intervenção com foco mais tecnológico, Gabriel Mendes, líder de soluções de engenharia da Sysnamedia, explicou como a IA pode aproximar as técnicas de compressão e qualidade de vídeo ao que realmente afeta a experiência do espectador.
As atuais CDNs (redes de distribuição de conteúdo) e pontos de entrega são capazes de identificar o dispositivo de acesso e as condições da rede. Além de adequar a qualidade ao tipo de tela, em uma eventual degradação no desempenho da banda larga se garante a continuidade baixando a resolução. “Isso é chato em tela grande. Quando se insere IA no modelo de compressão, se podem aplicar métricas de qualidade”, explicou. A ideia, em resumo, é tratar de forma diferenciada os pontos em que o sacrifício de qualidade nos fazem menos diferença, como, por exemplo, pixels escuros.
“Vamos passar do controle de taxa de compressão ao controle efetivo de qualidade e custos”, antecipou.
Publicidade microssegmentada
José Shulz, líder de streaming e TV 3.0 do Hub Digital da Globo, contou sobre o início da oferta de DAI (inserção dinâmica de anúncios) em TV aberta, para atingir espectadores que assistem a programação ao vivo pela Globo Play em São Paulo e Rio de Janeiro. “Nos televisores que possam ser identificados pelo aplicativo, na hora do intervalo é acessado o servidor de publicidade, o conteúdo é baixado no televisor e substitui o anúncio transmitido em broadcast”, descreveu.
A iniciativa ainda está na fase de Prova de Conceito e Shulz reconhece que ainda há questões de negócio a serem discutidas, como os efeitos dessa alternativa na precificação dos anúncios em broadcast. “Pode ser que o mesmo anunciante queira expor produtos diferentes para cada segmento do público”, especulou.