Três executivos - uma mulher negra e dois homens brancos - acessam a internet em um notebook

Dia Mundial da Internet: os desafios da padronização de dispositivos e o futuro da privacidade

6 minutos de leitura

Professor da FIAP fala sobre impacto da Internet no mundo e barreiras para levar conectividade para todos.



Por Redação em 17/05/2019

Principais destaques:
– Dia Mundial da Internet é celebrado todo 17 de maio;
– Tema da ONU para celebrar o Dia Mundial da Internet é: “Preencher as lacunas da padronização”
– Criar um padrão para dispositivos pode acelerar tecnologias em países em desenvolvimento;
– Humberto Delgado, coordenador do curso de Sistemas para Internet da FIAP, faz um panorama da Internet;
– Para ele, privacidade é o grande desafio dos próximos anos.

O Dia Mundial da Internet, antes conhecido como Dia Mundial das Telecomunicações, é celebrado todo 17 de maio. Em 2019 a iniciativa, que começou com a criação da União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), completa 50 anos. A data busca promover a conscientização sobre as possibilidades que o uso da Internet e outras tecnologias podem trazer para as sociedades e economias.

Mas qual o impacto da Internet na comunidade global nos últimos 50 anos? Para o professor Humberto Delgado de Sousa, coordenador do curso de Sistemas para Internet da FIAP e mestre em Ciências da Educação, o sistema revolucionou nossa forma de comunicar, mas também trouxe na esteira alguns aspectos negativos, como o roubo de dados e os diversos questionamentos em relação à privacidade dos usuários.

Neste ano, a ONU traz como tema “Preencher as lacunas da padronização”. A entidade defende que estabelecer padrões dos dispositivos conectados ajuda a acelerar Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) em países em desenvolvimento. António Guterres, secretário-geral da ONU afirmou que os avanços tecnológicos, como o 5G e a Internet das Coisas, têm potencial para entregar benefícios econômicos e sociais. Humberto Delgado tem opinião semelhante: “quanto mais iguais estiverem as comunicações [entre os dispositivos de diversos lugares do mundo], a gente começa a fazer um processo de inclusão.”

O professor conversou com o Mundo + Tech sobre os desafios trazidos pela Internet, o que é a padronização de dispositivos proposta pela ONU e qual o impacto nos países em desenvolvimentos, além de uma análise do comportamento do brasileiro nas redes sociais e a necessidade de uma educação digital. Confira:

Mundo + Tech: 2019 marca 50 anos do Dia Mundial da Internet. Como ela impactou a sociedade?
Humberto Delgado:
A Internet trouxe inevitavelmente mudanças em diversos segmentos e todas as áreas da sociedade, como saúde, educação e acessibilidade. Ela ampliou muito as condições de comunicação e o acesso à informação. Por outro lado, tivemos também impactos negativos como, por exemplo, o roubo de dados e o tema da privacidade, que é muito questionada nos dias atuais.

M+T: Olhando o hoje e o futuro, quais os desafios que a Internet vai trazer?
HD:
Um dos maiores desafios que eu vejo hoje, até por uma visão a curto prazo também, é a questão da privacidade. As pessoas questionam se possuem ou não privacidade dentro da Internet. E na busca desses padrões [propostos pela ONU] podemos citar a importância da legislação. Isso avançou muito nos últimos anos. Aqui temos a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que vem justamente para dar um norte e responsabilizar as pessoas em relação à privacidade.

M+T: O que seria essa padronização de dispositivos proposta pela ONU?
HD:
A UIT e a ONU defendem essa padronização voltada para o protocolo de comunicação. O protocolo pode ser visto como se fosse um idioma. Quando eu coloco o meu computador conectado a outro computador eles têm que falar o mesmo idioma. Porque senão eu não consigo passar a informação de um computador para o outro. Se a gente pensar na Internet e nesse mundaréu de computadores conectados, é importante que eles tenham os mesmos padrões, que os protocolos sejam os mesmos. Com esse padrão, é possível fazer a comunicação desses dispositivos, controlar uma vulnerabilidade, ter uma ação imediata em cima de todos os computadores que estão usando o mesmo protocolo. Por isso essa proposta de padrão. É saber qual o protocolo vai ser utilizado para fazer essa autenticação de um celular com um notebook, por exemplo.

M+T: Como países em desenvolvimento podem ser impactados por essa padronização?
HD:
Quanto mais iguais estiverem as comunicações, a gente começa a fazer um processo de inclusão. Vamos imaginar que a gente adote um padrão da Apple, por exemplo. É um padrão que tem um custo muito alto. São dispositivos que funcionam muito bem, mas o custo do protocolo é muito alto. Então tem que existir um padrão de comunicação em que os dispositivos da Apple estejam alinhados, mas que outros dispositivos de uma base ou tecnologia mais barata tenham condições de acessar esse protocolo.

M+T: Você cita a privacidade como desafio. A padronização dos dispositivos vai diminuir isso?
HD:
Padronizar dispositivos colabora muito [com problemas de privacidade]. Mas é preciso considerar vários pontos além disso. Não existe uma fórmula mágica que vai resolver o problema – seja ele de privacidade, de segurança, de velocidade, de desempenho, etc. A padronização melhora muitos aspectos, mas acredito que a melhoria é mais voltada a usabilidade dos usuários. Então, quanto mais fácil eu padronizar um dispositivo, um vestível qualquer, e colocá-lo na internet, mais rápido ele vai ser aceito pelo mercado. A padronização busca mais isso, essa integração de maneira mais rápida, de maneira mais simples, para que o usuário se sinta mais confortável.

M+T: Recentemente o Brasil teve uma proposta de padronização para IoT aprovada pela UIT. Estamos avançados nesta questão?
HD:
Não tem como os países fugirem dessa padronização. Por exemplo, eu trabalho com desenvolvimento de sistemas e tenho que seguir as normas e padrões para que o que eu desenvolva consiga ser colocado no ar e funcionar em outros ambientes. Não existe uma diferença de regionalização no mundo em relação a isso. A gente pode considerar que existem muitas sombras no Brasil, áreas que precisam ser exploradas para receber sinal de Internet, ter uma melhor infraestrutura de telecomunicação. Isso é assim também em regiões na África e na Rússia, onde muita gente não tem acesso à Internet. Mas entra uma série de questões, como políticas de investimento e outras coisas que podem ampliar a conectividade. Mas nos locais que existem comunicação, acho que o Brasil está bem situado. O brasileiro usa muito tecnologia, basta ver a quantidade de pessoas associadas às principais redes sociais.

M+T: Sobre os brasileiros, eles estão conscientes da quantidade de dados que produzem?
HD:
Isso é um problema. Eu diria que o brasileiro não tem essa educação digital. Eu diria que ele expõe muito fácil a vida dele. Por exemplo, ele se expõe quando clica naquele “clique aqui para ver as fotos de um acidente”, sai falando tudo que pensa, tudo que consome, tudo que conquista na rede social e isso é um perigo. Ele corre o risco [de ataques]. A LGPD vem para ajudar no sentido de a pessoa querer, a qualquer momento, excluir o rastro que ela deixou. O brasileiro tem direito de solicitar isso. Um processo que nosso país precisa passar é por essa educação digital e, a partir do momento que a LGPD estiver valendo, a pessoa terá a exata noção do que pode ser feito com os dados, como os dados estão sendo utilizados e quais os incômodos que podem trazer. Ligações de empresas, receber e-mails de lojas que a pessoa nunca entrou, tudo isso será possível evitar a partir do momento que a lei entrar em vigor.

M+T: Você fala de educação digital. Como educar os usuários? As empresas que armazenam dados têm responsabilidade nessa iniciativa?
HD:
A lei já diz que não pode mais ter letras miúdas ou mensagens subliminares naqueles contratos enormes que a gente nunca lê, mas sempre concorda. A lei diz que não pode ser mais dessa forma e que tudo deve ser o mais transparente possível para que a pessoa saiba para onde vão os dados dela. E essas empresas começam a atuar fortemente em conjunto com a lei. Além disso, acho que o governo tem um papel muito importante na educação digital. É colocar mais informações sobre como se comportar nas redes sociais, do que fazer e como agir nas redes sociais.

M+T: Isso nos leva de volta à LGPD. Estamos atrasados na implementação da lei?
HD:
Infelizmente nossa burocracia atrasou um pouco nessa questão [desenvolvimento da lei]. Mas, isso aconteceu em todos os países. Os Estados Unidos, por exemplo, tiveram que passar por vários incidentes e foram adaptando a lei em vários momentos. O que acontece é que, com o advento da Internet, dos dispositivos conectados e o conceito de ambientes inteligentes, a evolução é muito rápida, assim como a evolução dos ataques. Só que a legislação não consegue acompanhar essa velocidade. Então sim, existe realmente um delay [no desenvolvimento da lei]. A gente iniciou esse processo atrás de outros países, mas por questões específicas. Conforme os países foram tendo um problema, eles foram sanando. O mesmo ocorreu do Brasil. Se formos observar a Lei Carolina Dieckmann (Lei 12.737/2012), foi preciso ter o problema de vazamento das fotos da atriz para que se pudesse estabelecer uma lei. Daí, percebeu-se que no decorrer do tempo a lei não atendia a todas as necessidades e então houve uma nova adaptação. Então é um ciclo contínuo que vai passar a acontecer de maneira natural como ocorreu em outros países.



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