Junto às questões institucionais e de reputação, danos ambientais, atritos com comunidades ou setores sociais, impacto das mudanças climáticas, e outras transformações complexas têm efeitos cada vez mais fortes na qualidade das carteiras de crédito e de ativos das instituições financeiras. Em mais um passo para estabelecer critérios comuns de avaliação, o Brasil foi o primeiro país a adotar oficialmente os padrões de sustentabilidade e clima do ISSB/IFRS (International Sustainability Standards Board, da International Financial Reporting Standards), que passa a ser obrigatório para companhias abertas, fundos de investimento e companhias securitizadoras a partir de 2026, conforme determinação da CVM. As formas de dimensionar os riscos para avaliação de investimentos e crédito foram o eixo do painel: “O desafio de sincronizar informações de sustentabilidade e balanços”, na Febraban Tech 2024.
“Contar com informação granular, comparável e com qualidade é o maior desafio. A prioridade é informação”, enfatizou Kathleen Krause, chefe adjunta do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial do Banco Central. Ela explicou que o papel do regulador é padronizar os requisitos e buscar equilíbrio com outras regulações. “Também é preciso equilibrar custos para as empresas se alinharem às melhores práticas de gestão de riscos e políticas de ESG”, disse.
Krause reconheceu que o pioneirismo do Brasil na adesão a normas globais tem o potencial de atrair investimentos, além do aumento da estabilidade financeira. “Há as perspectivas de investimento e prudencial, mas não são excludentes”, mencionou.
“O plano é continuar a desenvolver as normativas”, informou a representante do Bacen. Ela esclarece que o trabalho do Bacen se sustenta em três pilares: interlocução com a sociedade (por consultas públicas e debates), alinhamento com outros reguladores e aos melhores padrões internacionais.
“A adesão a normas tem custo, mas há vários benefícios em reputação e governança. Outra ganho é uma taxonomia bem definida para ativos verdes. Normas transparentes permitem que o investidor tenha clareza sobre a empresa e os produtos, sem green washing”, disse Luiz Lessa, presidente do Banco da Amazônia.
Paulo Rodrigo de Lemos Lopes, vice-presidente de Sustentabilidade e Cidadania Digital da Caixa, apontou três etapas da agenda: entender as normas, internalizar e tornar as melhores práticas transversais nas organizações e cadeias de valor.
Cisne verde
Luiz Awazu Pereira, vice-gerente geral do BIS (Bank of International Settlements), contou que quando chegou à instituição lançou um alerta para os bancos centrais sobre o risco sistêmico ao mercado financeiro com as mudanças climáticas. “Os países com economias avançadas eram os mais atrasados em tratar de uma questão que afeta os preços e a estabilidade financeira”, lembrou.
Em contraposição à figura do Cisne Negro, uma referência à atipicidade da crise financeira global, Awazu disse que agora temos um Cisne Verde. “Não estamos diante de um evento que acontece de vez em quando. A crise climática é irreversível e vai gerar instabilidades. O Cisne Verde é um novo tipo de risco sistêmico”, definiu.
“A transição precisa ser financiada. Se colocarmos US$ 4 trilhões nisso por ano, é um investimento lucrativo. Mas, tudo tem que ser auditado”, disse Awasu. Ele constatou que as mudanças climáticas atingem mais intensamente os países pobres e a população de baixa renda dos ricos. Ele, contudo, menciona outros motivos para direcionar recursos para as regiões menos industrializadas. “Não é filantropia. É do interesse de todos que os países que precisam crescer adotem novos modelos de desenvolvimento”, defendeu.
Alinhamento global com atenção aos riscos locais
Os executivos da Caixa e do Banco da Amazônia sumarizaram algumas das políticas e iniciativas de finanças sustentáveis de suas instituições. Além das ações para definir a “taxinomia” do crédito sustentável, que representa 60% da carteira da Caixa, Lopes adiantou que no segundo semestre começa a emissão de “títulos sustentáveis”. Ele informou também que a instituição aguarda a regulamentação e está pronta para atuar no mercado de crédito de carbono.
Lessa destacou que o crédito rural é necessariamente subordinado a uma análise ambiental e o banco não financia a abertura de novas áreas. “Sob a floresta, há 30 milhões de pessoas com um IDH lamentável. Temos que levar crédito e assistência técnica para preservar a floresta melhorando a vida desses cidadãos. Se o agricultor ganha produtividade, não precisa desmatar”, disse. Ele acrescenta que os grandes produtores conseguem taxas reduzidas, conforme as análises de ESG.
Sem se contrapor à necessidade de alinhamento global, enfatizada pelos demais participantes do painel, Lessa chamou atenção para a gravidade e a dinâmica dos efeitos locais das mudanças climáticas. “O que tem ocorrido com a calha do Rio Negro, em uma economia movida a transporte fluvial, tem um impacto imenso no risco de crédito, que não está na regulação. Teremos que ser muito ágeis para entender essas situações e lançar no balanço dos bancos, ou pelo menos em relatórios”, advertiu.