Priscila Araújo nasceu em Itacarambi, cidade situada no interior do Norte de Minas Gerais e foi a segunda pessoa (e também a segunda mulher) a cursar uma faculdade na família. “Cresci em uma família de trabalhadores rurais, liderados por uma matriarca, a avó cabocla Ana Maria, que sempre foi forte e cuidou da família com tudo que podia. Como a filha mais velha de quatro irmãos, sempre tive muita responsabilidade, minha mãe Maria Luzia sempre confiou em mim e me inspirou a liderar. Mas, também, sempre tive o desejo de ter uma carreira. Assim, cursei tecnologia em uma universidade de Brasília, como bolsista do Prouni (Programa Universidade para Todos)”, contou ela, em entrevista exclusiva ao Próximo Nível. “Então, essa questão social sempre acompanhou meu desenvolvimento. Eu tinha dificuldades para estudar, pois meus pais não tinham graduação, e eu não tinha suporte em casa, para questões que envolviam pensamento crítico ou cálculo, por exemplo. Eu sabia que a minha chance era a educação, que o conhecimento poderia trazer, para a minha geração, novas oportunidades, diferentemente do que meus pais ou avós vivenciaram”.
Priscila lembra que, na época, a Embratel demandava muitos profissionais, e alguns professores do curso de telecomunicações também trabalhavam na companhia. “Iniciei minha carreira na Embratel ainda no segundo ano do curso de graduação, com 21 anos. Era coordenadora de redes na área de implantação e trabalhei com grandes clientes, como governo, órgãos federativos e bancos. Mas sempre tive essa visão de gratidão, por poder ajudar a entrega de serviços, com o objetivo de melhorar a vida dos brasileiros”, explico.
Ao longo dos anos, Priscila passou por várias áreas na empresa e hoje é Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Embratel. Depois de uma pós em projetos, cursando uma segunda graduação (sistemas de informação), a profissional também divide seu tempo inspirando outras mulheres, em comunidades direcionadas ao público feminino. Em 9 de março, ela estará presente no AWSome Women Community Summit, em Belo Horizonte (MG), contribuindo com a evolução de carreiras de outras mulheres, de forma totalmente voluntária. “Isso não é trabalho, é um propósito pessoal. Mais que retorno financeiro, é muito gratificante ajudar outras profissionais. Isso não tem preço”, comentou.
“Quando visito a minha cidade, tento sempre promover algum tipo de evento para mentorar outras pessoas, especialmente meninas e mulheres. Em 2021, atendemos cerca de 20 meninas em Itacarambi, Minas Gerais pelo projeto Meninas Poderosas, e junto à Hub Acelera Peruaçu, levamos empreendedores, profissionais de TI, professores e voluntários da saúde mental e física para orientar as jovens sobre diversos temas importantes, afirmou Priscila.
“Eu acredito na tecnologia e acho que ela é uma ponte para desenvolver a economia no interior do país.”
Acompanhe os detalhes da entrevista que Priscila concedeu exclusivamente ao Próximo Nível.
Como foi o seu crescimento dentro da Embratel?
Tenho 33 anos e estou aqui desde os 21. No começo eu fui terceirizada, durante cinco meses, mas dei o meu melhor até ser contratada. Passei por diversas áreas da empresa, e aqui, somos várias mulheres. Olhar outras profissionais em cargos de liderança sempre me inspirou muito. Desde 2019, comecei a criar uma trajetória diferente dentro da empresa. Fui para a área de consultoria em Soluções de Telecom e, há dois anos, estou em soluções digitais. A segunda graduação tem o objetivo de ampliar meu leque de conhecimento e de possibilidades, mas também visa ajudar os clientes e, com isso, avançar na minha carreira no que tange o nível de maturidade de entrega.
Tive muito apoio da responsável pelo RH da empresa, que me ajudou e orientou, mostrando os pontos de melhoria e contribuindo com meu amadurecimento como profissional. Isso foi uma chave para mim. Então, eu sinto que tenho de fazer o mesmo com outros profissionais que me procuram, principalmente as meninas. Muitas mulheres me incentivaram, trazendo desafios, tarefas e projetos, e sinto que preciso passar isso às novas gerações.
E qual o papel das comunidades nisso?
Gosto muito do universo da computação em nuvem, por isso comecei a participar de comunidades como a da AWS, e de Gestão de Projetos, na Elas Projetam, que fica em Brasília. Conheci tecnologias e pessoas, muitas mulheres. Frequentemente, meninas mais jovens me procuram pedindo orientação sobre como avançar na carreira neste segmento. Percebo que, normalmente, elas só querem participar das comunidades quando se sentem 100% seguras em relação à formação acadêmica, conhecimento. Mas a verdade é que é preciso começar antes. Nunca estamos 100% prontas, ainda mais em um setor em constante evolução, como o de tecnologia.
Percebo que muitas mulheres enfrentam desafios na carreira de tecnologia, seja para se posicionarem, seja para vencerem seus próprios bloqueios. É preciso reforçar que elas têm a mesma capacidade que os homens, sem qualquer distinção. Em alguns casos, a capacidade feminina é particular e diferenciada, em função da visão mais abrangente sobre tudo o que a cerca, isso que é o legal da diversidade, e agrega, todos ganham.
A mulher tem um olhar para as pessoas por trás das tecnologias. E, talvez, justamente por isso, elas acabem optando por carreiras que têm mais afinidade com essa questão do cuidado com os demais. Mas mulheres podem ocupar qualquer posição, mesmo que demande menos cuidado e mais praticidade. É uma questão de ser preparada para isso. Toda mulher tem condições de exercer o lado do raciocínio, juntamente com a emoção.
Em minha história pessoal, por não ter pais formados que pudessem colaborar com meus trabalhos e ensinamentos escolares, recorri muitas vezes a professores e enciclopédias. A comunidade ao meu redor ajudou muito! E procuro, hoje, replicar isso.
Você considera que a mulher tem uma visão da carreira e dos negócios diferente dos homens?
As mulheres, de modo geral, têm habilidades de trato com pessoas, de raciocínio e, também, uma visão mais holística. Para as profissionais que já estão na carreira, costumo dizer: “anda, você tem filhos, tem uma família para se orgulhar de você”. As mulheres precisam avançar, nos estudos, nas ambições profissionais. Ou seja, me importo com as mulheres ao meu redor e as estimulo a olharem para si próprias, para a sociedade e também para a própria família. Não é exatamente uma visão diferente, mas os homens têm menor preocupação com esse aspecto do “cuidar”, eles são mais práticos e provedores. Assim, procuramos organizar programas de mentoria para mostrar as oportunidades, as certificações necessárias e o que as profissionais precisam fazer para desenvolver suas carreiras. O mercado de TI precisa de mulheres, precisa de diversidade. Com as profissionais femininas conseguimos otimizar muitos projetos e acredito que a informação tem de ser compartilhada, pois estamos em momentos diferentes, muitas vezes. Tem muita gente nova chegando ao mercado também e não precisamos criar barreiras, mas, sim, facilitar o ingresso e o desenvolvimento. Precisamos ser mulheres apoiando e trazendo mais mulheres para o mercado. Com isso, além de reduzirmos desigualdades e criarmos oportunidades, também conseguimos ter soluções para os negócios e resultados mais gratificantes.
Mas, essa mudança começa na educação básica, não? Como formar futuras profissionais de tecnologia se as meninas, naturalmente, são direcionadas para outras áreas?
Na verdade, neste passo anterior, não conseguimos ter grande domínio. Mas, compartilhamos a mudança de pensamento e posicionamento com homens e mulheres, que são pais e mães nos quais pretendemos mudar a mentalidade. Isso inclui a educação desde as fases iniciais, a engenharia, o cálculo, o movimento maker que é natural para meninos, agora também para meninas. Enfim, até o interesse por design pode ser estimulado desde a infância. Mas os pais são elementos importantes neste estímulo e incentivo. Eles precisam também acreditar nessa mudança. A nova geração já é digital, mas vemos resquícios de nossa cultura, com meninos se interessando por coisas mais elaboradas e complexas e meninas, ainda, no âmbito das profissões que prezam pelo cuidado.
Naturalmente, há mulheres que gostam e que não gostam da área, mas sinto falta de programas que tragam o raciocínio lógico para as crianças, despertando essa curiosidade e plantando esta sementinha nas meninas. Quando eles [jovens] estão em outra fase, no ensino médio, por exemplo, é mais fácil despertar o interesse. Mas a educação e os ensinamentos teriam de vir antes, pois a partir de uma determinada idade, os preconceitos ficam mais difíceis de serem desconstruídos. O meio acadêmico mostrou que eu poderia ter oportunidades, eu tive dificuldades desde o início, mas a faculdade no meio acadêmico, me trouxe outra visão sobre minhas potencialidades. Foi difícil, mas as oportunidades começaram a acontecer após o ingresso no meio acadêmico. Hoje, tenho como propósito ajudar outras mulheres neste crescimento profissional e acompanhar o retorno disso na vida das pessoas. Isso não tem preço.