As quatro eras do reconhecimento facial e seu efeito na privacidade

As quatro eras do reconhecimento facial e seu efeito na privacidade

5 minutos de leitura

Pesquisa de entidades avaliou diversos banco de dados para traçar um histórico do reconhecimento facial e os impactos da tecnologia na sociedade.



Por Redação em 25/02/2021

Pesquisa de entidades avaliou diversos banco de dados para traçar um histórico do reconhecimento facial e os impactos da tecnologia na sociedade.

As primeiras pesquisas sobre reconhecimento facial tiveram início em 1964, quando Woodrow Bledsoe, matemático e cientista da computação, criou uma metodologia para ensinar um computador a reconhecer até 10 faces (saiba mais da história dele neste artigo da Wired).

De lá para cá, a tecnologia evoluiu e se tornou alvo de discussões éticas sobre o seu uso. Veja só, esse debate levou a cidade de São Francisco (Estados Unidos), centro da revolução tecnológica moderna, a banir o uso de reconhecimento facial pelo governo local.

Porém, existe ainda outra questão mais profunda sobre a tecnologia: pesquisadores têm criado modelos de reconhecimento baseados em Deep Learning, abandonando gradualmente a solicitação e consentimento das pessoas.

É o que aponta o estudo “About Face: A Survey of Facial Recognition Evaluation”. A pesquisa foi conduzida por Deborah Raji, pesquisadora da Mozilla, e Genevieve Fried, cientista que assessora senadores norte-americanos sobre responsabilidade algorítmica.

Em entrevista ao MIT Technology Review, Raji destacou que os pesquisadores eram cautelosos ao coletar, documentar e verificar os dados faciais quando a tecnologia ainda era emergente. “Agora […] você não pode nem fingir que tem o controle”, disse.

A falta de controle pode ser atestada pela quantidade de conjuntos de dados pesquisados pela dupla: foram 130, criados ao longo de 43 anos. Muitas dessas bases incluíam fotos de pessoas menores de idades, rótulos racistas e sexistas e até mesmo de qualidade duvidosa.

A análise desses conjuntos ajudou a construir uma espécie de linha do tempo da evolução o reconhecimento facial. O trabalho feito pelas pesquisadoras identificou quatro eras da tecnologia e o que contribuiu para que, aos poucos, a privacidade fosse deixada de lado ao longo dos anos.

Saiba um pouco mais do trabalho de Raji e Fried a seguir.

As eras do reconhecimento facial

Para o estudo, as pesquisadoras definiram os quatro períodos da tecnologia a partir de três marcos históricos no desenvolvimento do reconhecimento facial.

  1. A criação do programa de Tecnologia de Reconhecimento Facial (FERET, na sigla em inglês para Facial Recognition Technology) em 1996. O FERET é o primeiro conjunto de dados faciais em grande escala disponível para pesquisa acadêmica e comercial.
  2. A divulgação do Labeled Faces in the Wild (LFW) em 2007. O LFW é considerado o primeiro conjunto de dados faciais originado na web e sem restrições de uso.
  3. O desenvolvimento do DeepFace em 2014, o primeiro modelo de reconhecimento facial a superar um humano na tarefa de verificar rostos e o primeiro a ser treinado com Deep Learning.

Era 1: primeiros resultados da pesquisa (1964 – 1995)

O primeiro relato do desenvolvimento do reconhecimento facial foi em 1964, como citamos no começo do artigo. Woodrow Bledsoe foi financiado por uma “agência de inteligência não divulgada”, segundo as pesquisadoras.

Com um livro de fotos e uma fotografia de investigação, Bledsoe usou um programa de computador para cruzar a identidade do suspeito com outra no livro de fotos. Apesar de seu método ter se tornado popular, na época, ele era caro e lento em termos computacionais: o pesquisador conseguia processar somente 40 fotos por hora. Anos depois, um novo método chamado de “eigenfaces” seria usado pelo pesquisador.

Eigenfaces é um método de reconhecimento e detecção facial ao determinar a variação de faces possíveis dentro de um conjunto de dados. Mesmo sem informações completas, a abordagem reduz o processamento computacional.

Porém, mesmo Bledsoe usando esta metodologia, ele precisou recrutar e contratar pessoas para modelar e fotógrafos, projetar manualmente a configuração para iluminação consistente ou controlada das imagens e rotular, também manualmente, os dados.

Era 2: viabilidade comercial (1996 – 2006)

Em 1996, funcionários do governo norte-americano reconheceram e adotaram o rosto como um atributo biométrico não invasivo. A expectativa é que a face poderia ser usada para rastrear e identificar indivíduos sem a necessidade de sua participação física explícita.

Foi assim que surgiu o programa de Tecnologia de Reconhecimento Facial (FERET). Com um financiamento de US$ 6,5 milhões, os pesquisadores tinham em mãos os dados necessários para aprimorar a tecnologia de reconhecimento facial.

Quando o projeto teve início, o banco de dados possuía 2.413 imagens estáticas de rosto, representando 856 pessoas. Depois, esses números cresceram para 14.126 fotografias faciais de 1.119 indivíduos. Todas disponíveis a partir do consentimento deles.

Vale destacar que todas as imagens estáticas eram feitas a partir de um ensaio fotográfico.

Já na década de 2000, o que aconteceu foi a necessidade de um maior conjunto de dados para pesquisas acadêmicas e comerciais. Isso fez surgir novos bancos de imagem criados a partir de sessões de fotos.

Porém, como explicou Raji, apesar do consentimento total dos participantes, esses conjuntos possuíam metadados específicos como idade, etnia e informações da iluminação. Apesar disso, configurar os sistemas de acordo com o mundo real foi difícil, levando os pesquisadores a buscarem bancos de dados maiores e mais diversos.

Era 3: imagens em ambientes irrestritos (2007 – 2013)

Com a evolução do reconhecimento facial, os pesquisadores buscavam acesso a dados mais naturais e diversos. O que foi atendido com o desenvolvimento do Labeled Faces in the Wild (LFW). É neste momento que o uso ético de imagens começa a ser discutido.

A questão é que a coleta de dados (no caso, imagens) era feita sem a devida preocupação com consentimentos das pessoas, uma vez que as fotos eram baixadas do Google, Flickr, Yahoo e outras plataformas.

À medida que a tecnologia era testada e se aproximava do mundo real por conta das imagens baixadas na internet, mais as soluções baseadas em reconhecimento apresentavam sucesso. Porém, ainda havia a questão de um ambiente controlado: pessoas com aparência de modelo.

Para contornar essa questão, os pesquisadores continuaram a buscar mais métodos e mais dados para melhorar o desempenho da tecnologia. O que nos leva para a última e atual era do reconhecimento facial: a popularização do Deep Learning.

Era 4: avanço do Deep Learning (2014 – xxxx)

Você já experimentou abrir uma foto no Facebook, clicar na opção “Alterar texto alternativo” e ler a etiqueta que foi dada para a imagem? Essa rotulação automática tem um nome: DeepFace, sistema de reconhecimento facial de Deep Learning criado por pesquisadores da rede social.

O DeepFace surgiu em 2014 quando o Facebook decidiu usar as fotos das pessoas cadastradas na rede social para treinar o algoritmo de Deep Learning. A precisão da tecnologia, de acordo com uma publicação do Facebook Research, é de 97,35%.

Isso quer dizer que o DeepFace consegue, na maioria das vezes, ser mais bem-sucedido que uma pessoa humana. Esta tecnologia do Facebook surgiu quando a verificação manual e a rotulagem das imagens se tornaram praticamente impossíveis.

O problema com esse tipo de reconhecimento facial, pontuou Raji, é que o Facebook parou de dizer “esta é uma foto de pessoa X” para prever a personalidade dos usuários a partir das imagens que eles publicam, os colocando em categorias/rótulos que podem incluir terminologia ofensiva.

Igual na Era 3, a discussão aqui é que o avanço tecnológico tirou dos usuários o poder de consentimento, assim como trouxe à tona debates sobre a extração de imagens, identificação de IP e privacidade.

É preciso repensar no reconhecimento facial, afirma Raji

Há uma questão técnica sobre o uso de reconhecimento facial baseado em Deep Learning. Como Raji contou ao MIT, os requisitos exigidos pela tecnologia forçam o pesquisador a coletar informações confidenciais, gerando uma possível violação de privacidade.

A cientista acredita que, para continuar evoluindo a tecnologia, novas técnicas podem ser consideradas. “Para realmente tentarmos usar esta ferramenta sem machucar as pessoas, será necessário repensar tudo o que sabemos sobre ela”, finalizou.

Principais destaques desta matéria

  • Pesquisadoras divulgaram um estudo com a definição das eras do reconhecimento facial.
  • Para isso, foi preciso avaliar 130 bancos de imagens criados nos últimos 43 anos.
  • Confira quais são as 4 eras da tecnologia e o impacto delas na sociedade.


Matérias relacionadas

impacto ambiental da ia Inovação

Impacto ambiental da IA é pauta mundial

Em função da diversidade de fontes energéticas, Brasil pode oferecer alternativas sustentáveis para o setor

digitalizacao da saude Inovação

Estudo aponta avanços na digitalização da saúde

A pesquisa revelou que 92% dos estabelecimentos de saúde no Brasil possuem sistemas eletrônicos para registrar informações

plano brasileiro de inteligencia artificial Inovação

Plano Brasileiro de Inteligência Artificial: tudo o que você precisa saber

Brasil vai investir cerca de R$ 23,03 bilhões no desenvolvimento do PBIA

regulacao ia Inovação

Melhores práticas com os dados adiantam conformidade à regulação de IA

Políticas direcionadas a privacidade e informações sensíveis é ponto de partida para iniciativas responsáveis de IA