Até meados do século passado, havia quem questionasse se a computação eletrônica teria aplicações comerciais. No entanto, mesmo entre as organizações que não investiram em máquinas com válvulas e relés, aqueles que anteciparam as transformações foram os mais bem sucedidos quando a eletrônica digital se tornou realidade de mercado. “Em meio a todos os desafios e incertezas em relação a computação quântica, o que não se pode fazer é ignorar. Já se podem olhar as oportunidades dentro as instituições”, disse Samuraí Brito, líder de quantum e ciência de dados do Itaú, no painel Bancos quânticos, o próximo salto?, no Febraban Tech 2024. “Há 60 anos, quando começamos a computação tradicional, não havia cientista da computação ou administrador de dados (DBAs). Computação quântica é uma disciplina difícil e temos que desenvolver conhecimento e massa de profissionais”, comentou Luciano Carolino, especialista de segurança de TI do Bradesco.
“Se há cenários com desafios exponenciais em computação de alto desempenho, já é o caso de se considerar a abordagem quântica”, advertiu Waldemir Cambiucci, diretor de inovação e tecnologias emergentes da Microsoft Brasil. “Os recursos para testes e desenvolvimento experimental ainda são difíceis, mas já surgem startups para simplificar o aprendizado”, observou Luiz Augusto, professor do ITA e da FGV.
Muito resumidamente, a computação quântica explora a propriedade de “sobreposição de estado” das partículas – como uma roleta que contém as probabilidades de verde ou vermelho, até o “colapso”, quando a bolinha para em uma das calhas. Na prática, isso significa que, diferente do bit que é 0 ou 1, os qbits (a unidade de informação dos computadores quânticos) assumem estados sobrepostos. Como resultado, processamentos altamente complexos, com grande volume de variáveis, são executados de forma muito mais eficiente. “O tempo exponencial se converte em tempo polinomial”, definiu Waldemir Cambiucci.
“Há vários tipos de tecnologias quânticas. Comunicação quântica é outra frente, que não tem a ver necessariamente com computação”, salientou Samuraí Brito. Basicamente, a comunicação explora outra propriedade, de entrelaçamento de partículas, que permite ver instantaneamente uma informação remota sem que haja uma transmissão.
A especialista divide a computação quântica em dois conceitos: o hardware que trabalha com as propriedades da mecânica quântica, e a computação em si. “A novidade é a forma de processamento. A matemática nós já conhecemos e portanto é possível emular e praticar o uso”.
“Ainda não existe uma camada de abstração, o que torna o desenvolvimento bem complicado”, lembrou Carolino, do Bradesco. Ele destacou a necessidade de conhecimento avançado, para trabalhar com a computação em baixo nível (com linguagens mais próximas à linguagem de máquina).
Carolino informou que o Bradesco já executa experimentos, em uma infraestrutura da IBM, com foco em casos de uso já identificados. “Otimização de portfólio, análise de riscos e derivativos são alguns problemas endereçáveis pela computação quântica”, revelou.
“Há problemas complexos que nem os supercomputadores conseguem resolver. Segmentos como meteorologia, telemetria em massa e análises complexas já anseiam pela inovação”, mencionou Cambiucci.
A pesquisadora do Itaú conta que nas simulações de análise de dados com emuladores de computadores quânticos já se identifica o reconhecimento de padrões não percebidos com algoritmos clássicos. “Computadores quânticos são bons em resolver problemas quânticos. O que tentamos é aproveitar essa potência para os problemas da nossa realidade”, explicou.
Luiz Augusto informou sobre algumas iniciativas governamentais, como o investimento de R$ 60 milhões em um centro de competência da Embrapii, focado na preparação quântica. “O MCTI espera o desenvolvimento de tecnologia para energia limpa, monitoramento ambiental e vacinas”, contou.
Mitos, expectativas e preocupações reais
Computadores quânticos já existem, há experimentos avançados, mas poucos arriscam uma data para o uso em aplicações reais. Mais do que um planejamento de engenharia, há problemas fundamentais a se resolver.
Embora nós (e tudo que existe) sejamos formados de partículas, não podemos desaparecer e aparecer do outro lado da parede, como ocorreria com nossos elétrons individualmente. No mundo macroscópico, as interações estão constantemente colapsando as características probabilísticas da natureza subatômica. Enquanto isso nos mantém inteiros, é um grande problema para isolar os qbits de interferências. “As máquinas de hoje não toleram um espirro”, ironizou o diretor da Microsoft. “É preciso operar em temperaturas muito básicas e isso não é um problema de engenharia. Ainda precisa muito desenvolvimento científico” explicou Luiz Augusto.
Mesmo com a distância da disponibilidade comercial, a nova forma de fazer cálculos já traz preocupações. “A computação quântica não vai trazer segurança. Vai ameaçar a segurança”, constatou Samuraí Brito. Cambiucci citou algoritmos quânticos como o Shor, que faz a fatoração de números primos sem a complexidade matemática que sustenta a criptografia assimétrica, e o Grover, um otimizador de busca que acelera a quebra de chaves por força bruta.
Entre as incertezas e crenças, um mito que deve ser imediatamente descartado é sobre a substituição da computação binária (doravante chamada de “computação clássica”, como ocorreu com a física newtoniana). “É provável que no futuro tenhamos soluções híbridas, em que o dado clássico dispara funções quânticas”, especulou Cambiucci.