A avaliação deste título é de Murillo Borges, gerente de Inovação e Serviços da Iguá Saneamento, concessionária que está na vanguarda da digitalização da área de serviços de água e esgoto no Brasil. A companhia tem 3% de seu parque de medição já controlado remotamente e espera dobrar esse percentual até o final de 2023. Além do aumento da eficiência, a empresa reduziu o tempo de identificação de fraudes de um mês para três dias. Em campo, a Iguá tem casos destacados de sucesso, com a medição remota aplicada em larga escala no Rio de Janeiro, na Ilha do Mel (PR) e em Cuiabá (MT). Confira os principais trechos da entrevista.
Qual é o parque de hidrômetros com medição remota instalado atualmente e qual é a expectativa para este ano?
Murillo Borges (MB): Começamos esse projeto em 2018, nas primeiras viagens para benchmarks internacionais. Ali, colocamos a ideia no pipeline de projetos de inovação, com o avanço da conectividade IoT e de dispositivos capazes de nos atender. Em 2020, fizemos nossa prova de conceito. Testamos as redes LPWAN (Low Power Wide Area Network), os dispositivos e os sistemas de integração de dados. O saneamento, diferente de indústrias, é espalhado geograficamente, e não temos acesso à energia elétrica. Portanto, dependemos de redes confiáveis, com cobertura ampla e baixo consumo de energia para as baterias dos dispositivos durarem anos. Com a tese comprovada, partimos para a modelagem de um projeto mais ambicioso em 2021 e, em 2022, começamos a primeira fase do projeto. Atualmente temos cerca de 13.500 hidrômetros com medição remota online. Isso representa cerca de 3% do parque de medição do grupo. Estamos prontos para dobrar esse número em 2023.
A medição remota tem prioridades, ou seja, existem clientes que estão recebendo a ativação desse recurso primeiro?
MB: O projeto de medição remota teve como primeiro pilar grandes clientes, pois atuou combinado com a modernização do tipo de medidor para otimizar a precisão de medição. Dessa forma, conseguimos monitorar diariamente, e com maior precisão, a maior parte do volume lido de água da Iguá. Por outro lado, tivemos iniciativas paralelas para clientes fraudadores e inadimplentes recorrentes, áreas de difícil acesso (ilhas e distritos) e projetos especiais para atestar os ganhos da tecnologia em condomínios e DMCs (Distritos de Medição e Controle). Nesses locais, a intenção foi atestar os ganhos da aplicação da tecnologia e habilitar novos tipos de estudos operacionais com essa carga de dados disponíveis.
No que consiste a medição remota e como ela está contextualizada dentro do plano de digitalização da empresa?
MB: Quando decidimos fazer a prova de conceito, em 2020, consultamos grandes fabricantes nacionais e internacionais de medidores e integradores, além de startups, por meio do nosso programa Inovação Aberta, o Iguá Lab. Vimos que os projetos não “paravam em pé” sozinhos. Decidimos então ser o integrador das soluções. Contratamos rede de comunicação LPWAN pública, adquirimos os equipamentos e instalamos na casa dos clientes, tendo cuidado na instalação e na comunicação com o cliente acerca da nova tecnologia e das oportunidades que ele tem de interagir via aplicativo, o Digi Iguá. Mas uma parte invisível do projeto é, na minha visão, a mais importante: a arquitetura de dados.
A quantidade de dados gerados é grande, e foi preciso integrar alguns sistemas diferentes, criar um data lake apropriado, cuidar da segurança dos dados, da LGPD e, após todas essas etapas, analisar os dados automaticamente, para gerar os insights valiosos para a operação.
E o plano engloba tudo isso…
MB: Sim. O plano de digitalização da Iguá visa digitalizar o relacionamento com o cliente e a operação. O hidrômetro é justamente a interface entre a casa/comércio/indústria e a nossa rede de distribuição de água. Esse elo digitalizado provê insights para os clientes (gestão diária do seu consumo, com alertas de prováveis vazamentos, por exemplo), e insights para a operação, como prováveis fraudes, corte e religação remota, além de performance do próprio hidrômetro.
Quais as diferenciações de um medidor remoto em relação a um medidor convencional?
MB: Na Iguá trabalhamos com três tipos de hidrômetros com medição remota: o primeiro envolve os hidrômetros mecânicos normais, nos quais acoplamos um módulo de telemetria para, simplesmente, coletar o volume consumido diariamente. O segundo trata dos hidrômetros eletrônicos de grande porte (ultrassônicos e eletromagnéticos), nos quais conectamos módulos de telemetria para coletar, além do volume consumido, outros dados dos equipamentos. Esse tipo de hidrômetro eletrônico tem a medição mais precisa. Por fim, temos hidrômetros eletrônicos (tecnologia ultrassônica) com medição remota e corte remoto já embutidos.
Nesse último tipo de equipamento, fomos pioneiros no país, desenvolvendo a solução em conjunto com o fabricante, ou seja, há o nosso DNA ali. Além de ter uma medição precisa e sem partes móveis, como em hidrômetros mecânicos, já temos comunicação e a possibilidade de cortar o cliente inadimplente remotamente, evitando custos com mão de obra e materiais no corte e na religação. Já começamos a efetuar os cortes e religações remotos com sucesso.
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Nesses projetos, quem são os parceiros da Iguá em termos de tecnologia – hardware, software, integração, etc?
MB: Somos o nosso próprio integrador. Montamos um time técnico e operacional para realizar esse projeto, e ele tem se provado como a melhor solução. Desenvolvemos internamente e com auxílio de startups, interfaces e algoritmos para análise dos dados e algumas integrações. Somos agnósticos em tecnologia, tanto de hardware quanto de comunicação. Utilizamos Sigfox, LoRaWAN e até 4G se preciso for. O importante é ter o dado. Desenvolvemos módulos de telemetria para várias aplicações (hidrômetros, pressão, vazão, energia, nível de esgoto), utilizando nossa rede de startups via Iguá Lab. Desenvolvemos junto com a Kaifa Metering, na China, o nosso hidrômetro com medição e corte remoto embutidos (esses importamos diretamente do fabricante).
Sendo um medidor remoto, ele agrega recursos de IoT. Como fica a questão de conexão do medidor à rede da Iguá?
MB: O trabalho de escolha e validação das redes de dados precisou atender critérios de segurança (criptografia, servidores confiáveis, variação de frequências, etc.), abrangência da cobertura e benefícios econômicos. Partindo dos servidores das redes que operamos, integramos os dados com os sistemas de gestão de dados operacionais em cloud, onde eles são consistidos e pré-analisados. Controlamos os medidores remotamente. Nosso data lake coleta esses dados e disponibiliza via barramento para todos os outros sistemas da companhia. Até esse ponto os dados estão anonimizados por segurança.
Quais os ganhos para a Iguá na aplicação dessa tecnologia?
MB: Esse projeto só foi possível na Iguá porque empregamos uma visão sistêmica do negócio, onde avaliamos os benefícios em diferentes áreas, entre eles:
- Aumento de receita pela modernização e maior precisão na medição do consumo;
- Redução de fraudes com a identificação diária de incidentes;
- Satisfação do cliente com acesso aos dados diários e alertas de consumo e vazamento via Digi Iguá;
- Redução de custos com corte, religação e leitura remotos;
- Habilitador para uso de tecnologia IoT em outras áreas operacionais que otimizam a gestão (pressão, vazão, nível, consumo de energia etc.)
Poderia falar dos casos da Ilha do Mel e de Cuiabá e os diferenciais entre eles?
MB: O case da Ilha do Mel é marcante. Temos somente 561 clientes na ilha e deslocávamos leituristas e fiscais todos os meses, por meio de barcos, para o trabalho de rotina. Com a habilitação da rede Sigfox em toda a ilha, com parceiros, conseguimos ler remotamente todos esses hidrômetros. Com isso, vamos zerar a emissão de faturas em papel na Ilha do Mel e reduzirmos a nossa pegada de gases de efeito estufa com menos deslocamentos de barco, contribuindo assim para a sustentabilidade da Ilha.
Já em Cuiabá, além da implantação normal da medição remota, temos um projeto especial que se chama DMC do Amanhã, onde escolhemos um distrito de medição e controle e trocamos todos os hidrômetros, colocando medidores remotos. Colocamos sensores de pressão IoT, sensores de ruído IoT para identificar vazamentos e usar todos esses dados para otimizar esses DMC via simulações de Gêmeos Digitais. Com esse trabalho, queremos solidificar o potencial do uso de tecnologias de ponta no saneamento para redução das perdas e otimização operacional como um todo. Assim, estaremos prontos para o saneamento do amanhã.
Que métricas a Iguá poderia destacar em relação à aplicação da medição remota?
MB: Sem dúvida, hoje já conseguimos falar em aumento na eficiência de medição, com ganho de faturamento e redução de perdas comerciais, onde o aumento tem variado de 4% a 10%, dependendo da idade e tecnologia do hidrômetro que foi substituído. Também já conseguimos reduzir de um mês para 3 dias a identificação de alguns tipos de fraudes, ou quando há problemas nos hidrômetros em campo. E ainda estamos começando a trabalhar os dados. Em breve conseguiremos fazer ainda mais com eles.
Quais são os próximos passos da concessionária em termos de medição remota?
MB: Costumo dizer que a parte mais fácil é instalar hidrômetros em campo, mas o mais importante foi criar uma arquitetura robusta para lidar com essa avalanche de dados. Saímos de um dado de consumo por mês por cliente, para centenas de dados (consumo diário, alarmes, situação do equipamento, etc). A parte que mais gera valor – que é transformar todos os dados que estão vindo do campo em insights – é contínua. Ou seja, são sugestões operacionais para melhoria da qualidade do nosso serviço como um todo. Isso é contínuo e sustenta todo o projeto. Em outras palavras, o objetivo é transformar dados em informação e informação em ação.
Na Iguá, levamos muito à sério a digitalização da água e a criação de uma cultura data driven. Mas sabemos da importância de analisar bem os dados para extrair valor deles. Para mim, dado é como água bruta: precisamos tratar para poder consumir.