Quando Chris Anderson publicou o livro best seller Cauda Longa, em 2006, o conceito de inteligência artificial generativa não existia. Mas o cientista, e então editor-chefe da revista Wired, já previa um mundo guiado por dados, no qual a produção de objetos ocorreria em demasia e a baixo custo, mesmo para coisas sofisticadas e personalizadas. Esse movimento fomentaria uma economia cada vez mais pulverizada, em nichos de negócios. Sim, é a cauda longa, que, para Anderson, seria suportada por uma logística baseada na transmissão de dados por redes de fibra óptica.
Os dados levariam projetos de fabricação e seriam transmitidos como pacotes de softwares, semelhantes aos que compramos para editores de textos, planilhas de controle e CAD para designs. Nas residências, em pequenas fábricas ou até mesmo nas ruas, com a internet móvel de alta velocidade, impressoras 3D receberiam esses pacotes e imprimiriam o que quiséssemos.
Em outras palavras, o guru dos negócios digitais previa, há mais de 15 anos, que a engenharia e o design de produtos seriam democratizados e massificados pelas tecnologias digitais, mas atendendo a produção de coisas físicas (objetos).
Hoje, o retrato é que as tecnologias avançaram para essa viabilidade, sendo que as redes 5G permitem não só a transferência desse grande volume de dados, mas também com a rapidez de milissegundos. As necessidades dos consumidores, de obterem coisas cada vez mais personalizadas, em curto prazo de entrega e em qualidades variadas, ao sabor de suas escolhas – e bolsos – também se concretizou, como previa a cauda longa. Mas por quê, afinal, ainda não fabricamos as nossas próprias roupas, utensílios ou mesmo carros, casas e aviões?
No summit O Próximo Nível dos Negócios, promovido pela Embratel, em parceria com o jornal Valor, em outubro, Anderson previu que a inteligência artificial generativa pode promover esse avanço, provocando transformações profundas na sociedade, no nível do que fez a eletricidade e a internet.
O próximo nível da cauda longa
O contexto de Anderson é amplo, mas vale a pena. Mais ou menos na época em que publicou o Cauda Longa, ele e os seus filhos, crianças à época, foram brincar de montar robô de Lego. Mudaram de ideia e, ao invés de um robô terrestre, montaram um voador. Era o protótipo de um drone. Montaram mais algumas unidades e venderam todas rapidamente. Anderson quis continuar a produção, mas as crianças desistiram. Ele, então, encontrou um adolescente em Tijuana, no México, que se dispôs a montar as unidades.
A produção expandiu, se profissionalizou, e evoluiu para o que viria a ser a comunidade que criou o primeiro drone. Hoje, a empresa pertence majoritariamente à Larry Page, fundador do Google, com direção operacional de Anderson.
Adeptos do open source (softwares de código aberto), eles disponibilizaram a tecnologia da DIYDrones e, hoje, a maioria dos drones pequenos na Ucrânia, por exemplo, usam a tecnologia que produziram. “Evoluímos, então, para a produção de um grande drone autônomo, capaz de transportar pessoas e cargas. Mas não era o suficiente. Queríamos competir com os carros, mas não tínhamos a tecnologia de design necessária. Então, provocados por Larry Page, voltamos ao laboratório para descobrir como fazer isso”, disse Anderson.
Segundo ele, um avião autônomo pequeno custa cerca de 600 mil dólares. Um carro autônomo, como um Tesla, custa cerca de 40 mil dólares. “E é mais complexo tecnologicamente”, comparou. A missão, portanto, passou a ser a de tornar a produção de um avião mais barata, e isso, além da questão de disposição ao risco – pois as pessoas estão mais dispostas a correr risco em um automóvel autônomo do que em um avião, o que interfere na tangibilidade e no valor final do produto – estaria ligado à engenharia e design.
“Quando pensamos nisso, há um tipo de design com várias dimensões: estética, física e econômica. Mas, basicamente, temos as lentes do helicóptero e do avião para nos guiar nisso. Quando se trata de motores elétricos e automação, porém, é necessário um novo tipo de design. Questionamos então se os aviões elétricos não poderiam se beneficiar das soluções que já existem, inclusive do piloto autônomo. E se fosse assim, será que não poderiam ser fabricados por uma impressora 3D?”, vislumbrou.
Desse ponto de partida, ele e sua equipe foram atrás de respostas. Evitaram os engenheiros, pois entenderam que eles tendem a pensar de forma tradicional, e isto não funcionaria. “A solução foi perguntarmos à inteligência artificial”, disse.
IA generativa na cauda longa
Antes dos resultados colhidos pela IA generativa, Anderson explicou que a avaliação de viabilidade para os seus projetos leva em consideração as leis da física.
Físico de formação, ele entende que se a física permite, é possível que algo seja desenvolvido. “A própria natureza funciona dessa forma. Ela explora possibilidades e vê o que funciona. No entanto, isso leva milhões de anos. Mas nós não temos milhões de anos. Por isso, precisávamos de respostas em alguns dias”, disse.
A forma de fazer esse processo, segundo ele, é explorar todo o espaço disponível para encontrar as possibilidades. “No entanto, entender todo esse espaço é difícil para os seres humanos”, disse. A inteligência artificial, por sua vez, tem essas características.
Com a tecnologia generativa, Anderson pensou no uso da IA para inventar designs de aviões, e disse ter progressos importantes nesse sentido. Segundo ele, a tecnologia permite realizar simulações numéricas em grande escala, e isso proporcionou a nova perspectiva de produção que a sua companhia buscava. “Leva tempo para treinar a inteligência artificial generativa (GenAI). No entanto, quando conseguimos, a evolução é muito rápida”, relatou.
Agora, a DIYDrones está disposta a investir bilhões de dólares para treinar uma IA com conhecimentos em eletromagnetismo, computação e todas as simulações possíveis, segundo o cientista. “Vamos utilizar todos esses dados para treinar essa rede no algoritmo e utilizar essas simulações. Basicamente, pretendemos substituir a engenharia por IA. Uma possibilidade é utilizar uma grande IA para aprender toda a engenharia, ou até mesmo ensinar física para que ela aprenda eletromagnetismo, entre outros conceitos. Essas IAs podem até mesmo negociar entre si, ou, quem sabe, uma grande IA pode absorver e treinar outras IAs”, explicou.
Sob o conceito de aprendizado lógico de máquinas (LLM, da sigla em inglês) a DIYDrones analisa as instruções e gera parâmetros, criando designs por meio da IA generativa. Essa abordagem, detalhou Anderson, é otimizada para o mundo físico (protótipos) e, em seguida, retorna para o início do ciclo. Essa repetição acontece em larga escala, otimizando os designs continuamente. “O que estamos buscando, basicamente, é reduzir a distância entre o conceito e a impressão, eliminando a necessidade de engenharia e fábricas, entre outros processos”, disse.
Anderson acredita que, em breve, poderá utilizar a inteligência artificial para produzir um avião, a ser impresso em 3D. “E não estamos interessados apenas em criar aviões, mas sim em criar ‘tudo’. Afinal, todo objeto físico possui elementos físicos”, explicou. Muitas empresas no Vale do Silício estão experimentando essa abordagem, segundo ele. E elas estariam realizando pesquisas científicas, matemáticas e de design de geometria para isso.
Até o evento O Próximo Nível dos Negócios, em meados de outubro, as “IAs individuais” para a produção de aviões autônomos por meio de impressoras 3D já haviam sido criadas. Elas realizavam tarefas diferentes , além de se auto coordenar entre si. No momento em que você lê este texto, provavelmente, esse “caldo já engrossou” e a cauda longa para a fabricação de coisas está mais perto de um próximo nível.