O antropólogo e sociólogo francês, Bruno Latour, disse que a humanidade está entrando em uma era de realidade esmaecida, segundo reproduziu a fundadora da consultoria Newa, Carine Gomes Roos. Em outras palavras, ele disse que não conseguiremos distinguir fato e falso. “E como podemos lidar com esse contexto?”, questionou Carine, respondendo que a regulamentação é uma frente, assim como outras que envolvam a consideração de aspectos culturais.
O assunto foi discutido em um painel sobre a influência da IA na geopolítica, durante o Web Summit Rio 2024. A mediação foi da correspondente sênior da revista Time, Vera Bergengruen, que direcionou o foco da conversa para o hemisfério Sul – ou “sul global”, como se referiram a todo instante.
Antes de falar dessas regiões e da necessidade de desenvolver mercados e regulamentações específicas para a IA em cada uma delas, Carine exemplificou que a Índia busca a sua hegemonia em inteligência artificial, mas utiliza sistemas como os da OpenAI para isso. “É contraditório”, avaliou. Pior ainda, utiliza dados pessoais dos indianos. Acredito que isto seja um problema, que pode se repetir no Sul global, caso não seja desenvolvida uma hegemonia de mentalidade [em cada país]”, disse.
IA no Hemisfério Sul
O professor e advogado do Centro Berkman Klein, em Harvard, Eduardo Magrani, completou que a importância de discutir a perspectiva do Sul global é vasta. “Simplificar a IA é impossível, pois ela é uma ‘galáxia’ cheia de complexidades a serem consideradas”, pontuou o especialista
O debate geopolítico, segundo ele, se concentra frequentemente nas diferenças que estão se estabelecendo na China, Estados Unidos e Europa. “Ao falar do Sul global, contudo, também percebemos que não existe um pensamento único. Precisamos pensar de maneira mais profunda, começando pelos riscos para cada democracia”, completou.
A cultura de cada região é um aspecto subestimado nas discussões de IA atualmente, mas, segundo Magrani, é um erro, à medida que os próprios marcos jurídicos, que precisam ser implantados, levam em consideração as influências culturais. “Da mesma forma, precisamos considerar o potencial de como nos beneficiar com a regulamentação da IA e outros problemas que podem ser mitigados”, ponderou.
Regulação da IA
Carine ponderou que, muitas vezes, parece só existir regulação de um lado e desregulação do outro. Mas esta não é uma regra: “é possível criar uma regulamentação inteligente e prudente. Em relação aos riscos, temos as questões de privacidade de dados, armas biológicas e vieses inconscientes. Atualmente, no Brasil, não há uma lei específica, mas estamos tentando aprovar uma contra as fake news, que está paralisada em um contexto de grande polarização política”, disse.
De outro lado, ela apontou que as big techs classificam a regulação como uma espécie de censura, o que, em sua visão, também não é verdade. “Há regulamentações fortes sendo aplicadas em outros lugares, como na Europa, e esse argumento não é válido lá”, exemplificou.
Magrani avaliou que, se por um lado precisamos procurar uma identidade para a regulação de tecnologias como a IA e suas possíveis consequências negativas, como as deep fakes, por outro, países como o Brasil se encontram em uma “posição privilegiada” por não sediar os principais players de tecnologia e, portanto, poderem escolher as melhores tecnologias para seus contextos específicos.
“Eu participei do desenvolvimento da LGPD e, hoje, vemos uma competição mais acirrada, com muitas empresas e o setor público investindo em inovação, mas deixando de lado questões de direitos fundamentais”, diz.
Para ele, é possível escolher tecnologias “sem pré-conceitos” e aprender lições de cada região de forma sábia e personalizada. “Precisamos entender quais são os investimentos únicos que o Brasil pode fazer, como em cidades inteligentes e fintechs, que outros países não estão fazendo. Aqui, portanto, a estratégia é o principal aspecto [acima da própria tecnologia]”, refletiu.
Ao pensar que a inovação acelera a economia e a soberania digital, que são questões importantes, segundo ele, se abdica da ética, que, ainda de acordo com a sua defesa, é um pilar tão fundamental quanto para a concorrência e para a inovação. “Assim, esses pilares éticos também devem ser incluídos na economia e nas empresas movidas pela inovação. Não é necessário adotar o modelo de inovação dos EUA, o estatal da China ou de regulação da Europa. Precisamos considerar tudo isso com inteligência”, disse.
Carine acrescentou que, ao fim, a questão financeira vem prevalecendo indiscriminadamente, mas que isso precisa mudar a favor, inclusive, das próprias finanças do futuro. “Precisamos incluir as pessoas [na equação]. Neste ano, por exemplo, a expectativa é de que mais pessoas votem em seus governos ao redor do mundo, e as regulamentações de IA e deep fakes estão no contexto desse movimento”, concluiu.