demi getschko Crédito: Divulgação/NIC.br

Demi Getschko fala do futuro da Internet no Brasil

6 minutos de leitura

Especialista define conceitos de liberdade da internet, mostra a importância da técnica e da educação digital no Brasil



Por Redação em 05/10/2022

Cerca de dois terços dos brasileiros estão conectados à internet e grande parte de nós temos a rede como principal ferramenta de lazer, de estudos e de atividades gerais de comunicação. Mais ainda, com o anywhere office, a internet das coisas, a inteligência artificial, o machine learning, a blockchain, etc, a conectividade da internet deve interferir cada vez mais no nosso trabalho e na nossa relação social. Na dianteira e na observação desses movimentos está Demi Getschko, um dos precursores da internet brasileira, entrevistado com exclusividade pelo Próximo Nível.

Nesta conversa, Demi – que é diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e conselheiro por notório saber do Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) desde a sua fundação, em 1995 – define conceitos de liberdade da internet, mostra a importância da técnica e da educação digital e explica como a rede é estruturada no Brasil. “Se formos conservadores no que fazemos e liberais no que aceitamos, a internet caminhará para uma era mais sólida”, adianta ele. Acompanhe os principais trechos da entrevista.

O último levantamento do Cetic apontou para a necessidade de ampliar a conectividade nas cidades com menos de 20 mil habitantes no Brasil. Como você avalia o papel da internet na inclusão social?

É de se esperar que uma grande operadora tenha menos estímulo para atuar em cidades menores. Por isso, surgiram as redes comunitárias, assim como os pequenos provedores de internet. Isso ilustra como a internet é uma “coleção de redes” para que a conectividade chegue a cada local. É importante que, onde não haja oferta de serviços, haja ação conjunta do governo e da iniciativa privada para viabilizar a internet, pois a conectividade torna-se cada vez mais fundamental para a competitividade, em várias esferas da sociedade. Quase tudo tem alguma forma de “eletrônica embarcada” hoje em dia, e a tendência é que isso se amplie cada vez mais com a internet das coisas que, junto com a inteligência artificial e outras tecnologias, vai permitir o acompanhamento de atividades rurais, por exemplo, além de outros acessos capazes de reduzir a distância social entre as pessoas.

Alguns especialistas apontam para a tendência de maior concentração urbana, favorecendo os conceitos de cidades inteligentes e elevando a demanda por conectividade e tecnologia. Como você avalia isso?

Demi Getschko

É mais fácil conectar gente em áreas urbanas do que em rurais, principalmente no Brasil, dadas as suas dimensões territoriais. Por isso, vejo como natural haver uma concentração urbana, desde que se tenha boa infraestrutura de fibra óptica e as várias ferramentas que ajudam a conectividade, como as redes WiFi e celular. Em áreas remotas é mais difícil levar essa infraestrutura, e aí contamos com complementos via satélites, lembrando que hoje há também satélites de baixa órbita, que apresentam baixa latência. Precisamos sempre pensar nesse conjunto de tecnologias, pois não há “bala de prata” para resolver a conectividade de um país como o Brasil.

Como você avalia o 5G nesse cenário?

Há vários protocolos e tecnologias e não acho que para a conectividade de áreas ermas, por exemplo, o 5G seja a opção mais fácil. Por outro lado, ele promete ser melhor para locais com maior concentração de pessoas e dispositivos, como acontece num estádio de futebol, assim como para a automação industrial. Então, parece-me, é preciso combinar as várias tecnologias existentes.

Inclusive a Blockchain?

Demi Getschko

Sim. E nesse aspecto se fala muito da blockchain como ferramenta contra a concentração na internet. Lembro que há mais de 30 anos defende-se que a internet precisa voltar a ser mais distribuída. Quando a América Online entrou em cena, por exemplo, o discurso era: “venha morar no nosso jardim murado, onde você terá tudo que precisa”. É a mesma coisa que as redes sociais fazem hoje, com o intuito de fazer com que o usuário deixe de ser tão ativo na internet e passe a se comportar como o “sócio de um clube”. Isso tem consequências. Hoje há uma campanha pela web 3.0 chamando para uma melhor distribuição no uso da internet. Por algum motivo, argumenta-se que as criptomoedas e a blockchain podem ser um caminho para essa distribuição. Eu sou totalmente a favor de uma desconcentração da internet, mas o meu receio é que, às vezes, as boas intenções e os caminhos adotados levam a desvios imprevistos. Eu não creio que web 3.0 vá conseguir ser mais diluída com criptomoedas e, por isso, entendo que é preciso desacoplar as criptomoedas da web 3.0 nessas discussões, em favor de uma real desconcentração da internet.

Qual é a relação da distribuição da internet com cibersegurança e outros efeitos colaterais, como as fake news?

A Lei de Postel já indicava que, para que a internet cresça e funcione, precisamos ser conservadores no que fazemos e liberais no que aceitamos. Ou seja, todos sabemos que acabaremos por receber algum “lixo” e ser objeto de ataques. Faz parte da internet. Isso já foi dito nos anos 1980 e vale até hoje. O que precisamos é ter as armas necessárias para nos defender. O mais interessante é que a internet gerou essa abertura para que todos possam falar. A partir daí, cabe ao receptor entender melhor os pesos e a qualidade do que recebe dos emissores. Hoje, ainda estamos nessa fase de deslumbramento do “poder falar” para todos – uma reação ao que acontecia na época do broadcast, onde apenas poucos canais, tecnicamente habilitados, falavam. Então, é um processo de adequação e entendo que, entre ônus e bônus, poder falar livremente é a melhor conquista, mesmo que tenhamos de ouvir certas bobagens em troca. Esse processo tende a decantar, gerando melhor equilíbrio.

Você falou em pesos diferentes…

Sim, e essa dualidade mostra que não podemos ser estáticos quanto à distribuição da internet. Ao mesmo tempo que a liberdade de expressão é válida e necessária, precisamos estabelecer o que é técnico, sólido, e o diferenciar de meras opiniões pessoais. Teremos, portanto, um risco inerente se, ao lutarmos pela democratização da informação para todos, acabarmos por promover uma falsa “democracia de especialidades”, onde todos falemos sobre tudo, e com o mesmo peso, cristalizando visões da maioria em temas de especialidade técnica.

Quais são as suas indicações de enfrentamento nesse sentido?

O NIC.br tem um monte de material sobre “internet mais segura”, envolvendo boas práticas de segurança até mesmo para os provedores de infraestrutura. Mas a chave continua no usuário. Precisamos elevar o letramento digital das pessoas, para mostrar que tudo tem contrapartida, e não, simplesmente, buscar limitar o uso da internet. É preciso explicar que, na internet, sempre se deixam rastros, e muitos malefícios são consequências disso. O ataque cibernético é o mal mais técnico, mas também há a disseminação das fake news, assim como outras práticas naturais da sociedade, que sempre existiram, mas hoje são potencializadas pela rede. 

Demi Getschko

Eu escrevi recentemente para o Estadão um texto mostrando o que o Bruce Schneier, especialista em segurança e criptografia, chama  de “complexidade barata”. Ele diz que “hoje é mais fácil construir sistemas complexos que simples. Se há vinte anos se construía um refrigerador com hardware e software específicos, hoje basta pegar um microprocessador de mercado e escrever um programa para ele. E esse processador terá número IP, microfone incluído, porta de vídeo, bluetooth e mais outras coisas. E, como elas estão lá, presentes, alguém tentará usá-las”. Ele mostra aí que o atacante pode não visar a violar o acesso em si, mas apenas obter um ponto de apoio IP dentro do sistema da vítima, para daí escolher outro objetivo a atacar. Lembro do caso “Mirai”, no qual o programa malicioso invadiu câmeras residenciais para ter pontos de apoio a ataques de negação de serviços externos, por exemplo.

O Brasil passou da marca de 5 milhões de domínios .br recentemente. Como foi esse caminho e quais são as projeções para os próximos períodos?

O crescimento de domínios depende de várias coisas, como confiança no registrador, preço, etc.  Quanto mais gente está conectada, mais domínios são registrados. Temos competidores também, como redes sociais e outros tipos de plataforma que buscam concentrar os usuários no “jardim murado” e acabam influenciando no crescimento dos domínios, pois muitos usuários acabam optando por essas soluções entendendo-as como suficientes. Mas não são. Afinal, se amanhã ou depois uma dessas plataformas é substituída ou desaparece – como já aconteceu – o usuário perde sua  referência digital. 

Como é a estrutura de domínios no Brasil e como ela tem avançado?

O domínio .br é o principal do país e foi delegado ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) em 1989, e desde então apresenta um crescimento razoável, ano a ano. Ele andou meio estagnado por volta de 2018, com crescimento abaixo de 2 dígitos. Aí tivemos, com a pandemia,  um baita crescimento, obviamente pelo aumento do uso da internet no Brasil e no mundo. O .br representa mais de 75% dos domínios no país, e isso nos coloca entre os domínios de código de país melhor sucedidos no mundo.

Como é feito o registro?

Exigimos informações sobre quem registra um domínio .br que é um CPF ou um CNPJ, o que torna o processo restrito a pessoas físicas e jurídicas brasileiras e resulta em mais segurança. Há outros tipos de domínios por aí, em países e regiões, alguns até grátis. Em geral, esses são bem menos seguros.



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