marcos davi Foto: Divulgação

Hack Town: festival busca inteligência e felicidade amplas

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Em entrevista exclusiva, Marcos David, sócio e co-fundador do Hack Town, explica o festival e a sua motivação



Por Redação em 17/08/2023

Cidades inteligentes precisam de pessoas inteligentes, e a inteligência diz respeito ao poder de escolha, que tem, portanto, mais qualidade quando há abundância de possibilidades. Em resumo, esse é o mote do Hack Town, um festival de inovação realizado em Santa Rita do Sapucaí (MG) entre 17 e 20 de agosto.

Nesta entrevista exclusiva ao Próximo Nível, Marcos David, sócio e co-fundador do Hack Town, explica o festival e a sua motivação. Ele conta sobre a relação do evento com o Inatel e outras instituições de ensino da região, assim como defende que todo o evento, a cidade e seus processos trabalham em busca de um só objetivo: a felicidade.

Acompanhe os principais trechos da conversa.

Qual é o histórico do Hack Town e como ele evoluiu até agora?

A primeira edição do Hack Town foi em 2016. Criamos o evento inspirado no SXSW, que acontece em Austin, no Texas, há mais de 30 anos. Entendemos que seria uma boa inspiração para algo que já acontecia em Santa Rita do Sapucaí (MG), através do Cidade criativa, Cidade feliz, que existe desde 2013. É um movimento que não tem dono. Não é da prefeitura, não é das empresas, não é de ninguém. Ele é colaborativo entre os agentes da cidade e tem por intuito fazer com que a gente diversifique e torne a economia local mais complexa, através da economia criativa e em prol de uma meta única: a felicidade para todos. Falar de felicidade é algo bem ousado, bem moderno no mundo atual, e a cidade tem se posicionado para buscar esse caminho. É muito interessante falar sobre isso porque Santa Rita tem um protagonismo e vanguardismo em inovação.

“Felicidade para todos” não é um mote utópico? E o que tem a ver com inovação e tecnologia?

A felicidade não pode ser alcançada por uma só pessoa. Ela precisa ser coletiva. Então, a felicidade para todos parece sim algo utópico, mas, ao mesmo tempo, não há nada mais legal para se fazer/buscar nesse planeta (risos). Nós ficamos desenvolvendo tecnologias para que as pessoas ganhem tempo. Mas tempo para fazer o quê? Filosoficamente, essa é a grande questão. Estou dizendo isso porque está muito em voga o avanço das cidades inteligentes, e Santa Rita do Sapucaí é reconhecida nesse sentido, pois tem um anel óptico, cobertura 5G ampla e toda a cadeia de tecnologia movimentada pelo Inatel, pela Escola Técnica Francisco Bruno da Costa e pela Escola de Administração e Informática (FAI).

“Nós ficamos desenvolvendo tecnologias para que as pessoas ganhem tempo. Mas tempo para fazer o quê? Filosoficamente, essa é a grande questão.”

Qual é a relação do Inatel com o Hack Town?

Foto: Natália Melo

Toda a cidade de Santa Rita do Sapucaí tem relação direta com o Hack Town. Tivemos aqui a primeira escola técnica do país, o Inatel, com a peculiaridade de ser a primeira escola de eletrônica da América Latina – e a sétima do mundo. Em uma cidade com 40 mil habitantes, estamos falando de uma “nave espacial” que pousou aqui nos anos 1960. Imagine que as pessoas sequer tinham televisão em suas casas, mas estavam fazendo manutenção em transformadores de televisão no Inatel. Depois disso, em 1975, foi fundado o hub de telecomunicações, com o intuito de estruturar esse mercado no Brasil. Ele foi a base para o desenvolvimento do sistema Telebrás. Logo depois tivemos a faculdade de Administração e Informática, dedicada a formar profissionais de administração para trabalhar em tecnologia. Isso também foi uma inovação nos anos 1970, pois os profissionais de administração não eram treinados para trabalhar no âmbito da tecnologia. Então, é uma cidade que está sempre pensando não apenas no que está faltando nela mesma ou na cidade vizinha, mas sim no que está faltando no mundo. Esse movimento da criatividade feliz é o que nós temos de mais moderno aqui. Diria que é uma tecnologia social e foi ela quem viabilizou a criação do Hack Town.

O Hack Town e o Inatel estão bastante atrelados, pelo o que entendemos. Mas o Hack Town é uma iniciativa empreendedora individual, certo?

Sim, o Hack Town é uma produtora de eventos, privada, com uma equipe de mais de 400 pessoas e do qual eu sou co-fundador. Em inglês, hack significa transformar, e town diz respeito a uma cidade pequena. Portanto, já que estamos transformando a cidade, precisamos criar mecanismos de relacionamento para entender os desafios dela, de empresas a governo. É por meio do festival que construímos essas formas de transformar a cidade. Quando as pessoas vêm para o Hack Town, elas vêm para ajudar a hackear, no sentido de que o hacker é alguém que entende o sistema e acha um caminho para transformá-lo.

Muitos associam o termo “hack” à cibersegurança, ao hacker…

Um hacker é uma pessoa que entende o sistema e encontra caminhos dentro dele para transformá-lo. Em outras palavras, o hacker faz o sistema evoluir. Hoje, já existe tecnologia suficiente para resolver praticamente todos os problemas que a humanidade possui. A questão é que essas tecnologias e esses processos não estão distribuídos. Ou seja, as pessoas não têm acesso às tecnologias. Há locais na África, por exemplo, onde ainda morrem pessoas de doenças que foram erradicadas no Brasil há 80 anos. Temos notado que, para a sociedade avançar no tempo, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) não são suficientes. Elas precisam andar ao lado do que a gente chama de Tecnologia do Amor e da Colaboração (TAC). O TIC-TAC é que fará com que a gente consiga avançar no tempo como sociedade. 

“Um hacker é uma pessoa que entende o sistema e encontra caminhos dentro dele para transformá-lo. Em outras palavras, o hacker faz o sistema evoluir.”

Você pode falar mais sobre Santa Rita do Sapucaí nesse contexto?

Historicamente, temos protagonismo em inovação, por conta das mais de 170 empresas de base tecnológica instaladas na cidade. São fabricados mais de 14 mil produtos diferentes aqui e concentramos institutos de pesquisas de renome internacional. Costumo brincar que, apesar de Santa Rita ser reconhecida como uma das cinco cidades cafeicultoras do país, a principal commodity de cidade não é o café, mas sim a educação. Porém, como eu vinha dizendo, não é somente isto que irá resolver os problemas da sociedade. A gente precisa ter um novo olhar para a sociedade, trazer novas provocações, novas perguntas. E para fazer isso, é preciso dar acesso, pois muitas pessoas nem sabem que existem determinadas soluções tecnológicas. 

“Apesar de Santa Rita ser reconhecida como uma das cinco cidades cafeicultoras do país, a principal commodity de cidade não é o café, mas sim a educação.”

Você está falando de letramento digital?

Não chamaria de letramento digital, pois o digital é uma parte da história. Chamaria de “zeitgeist”, que é um termo alemão que significa algo como “espírito do tempo”, no sentido de fazer as pessoas interpretarem o que está acontecendo agora. O Carlos Nepomuceno, palestrante do Hack Town, diz que a era digital já acabou e que estamos na era do clique, pois, mesmo sem ter qualquer ideia da tecnologia por trás das coisas, as pessoas, em um clique, chamam um carro que estará na sua frente em poucos minutos. Isto está relacionado à abundância, que comentei anteriormente. Trabalhamos para que uma nova fase dela emerja e possamos misturar mais o povo de tecnologia com outras áreas. Isto é o Hack Town.

Pode dar mais detalhes?

Um dos trabalhos do festival é fazer a inclusão dos professores da cidade. São cerca de 800 professores, que podem adquirir ingressos 95% subsidiados. Dentro do Hack Town, a gente tem uma feira com mais de 100 startups que estão trazendo o próximo nível de grandes inovações tecnológicas e comportamentais. As mais de 800 atividades do festival têm como intuito provocar as pessoas para irem além do óbvio. Tem gente falando de Inteligência Artificial, mas que não trata das implicações da inteligência artificial na vida das pessoas, por exemplo. Então, a gente está sempre equilibrando o TIC e o TAC, para avançar no tempo.

“Tem gente falando de Inteligência Artificial, mas que não trata das implicações da inteligência artificial na vida das pessoas, por exemplo.”

O conceito de festival vai nesse sentido?

É muito interessante, porque nos abordam muito sobre essa questão do festival. O que fazemos, já que o festival tem várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, é instigar as pessoas a escolherem. Nos outros eventos, há uma trilha que alguém definiu e todo mundo passa por aquilo. É como se fosse um horário de escola durante um dia inteiro, onde todos vão assistir a mesma coisa. No nosso caso, não. São 50 atrações acontecendo na mesma hora e isso remete à abundância das nossas relações pessoais, o que provoca as pessoas a escolherem. As pessoas precisam “reaprenderer” a como escolher, pois a abundância as têm confundido nisso. 

Nós desaprendemos a escolher?

Em muitos casos, sim. É muito mais fácil terceirizar as nossas escolhas. Ao provocar a necessidade disso, passamos por autoconhecimento e uma série de outras coisas importantes. Estou falando nesse tema porque está muito em alta essa questão das cidades inteligentes e Santa Rita é reconhecida como um polo que produz esse tipo de tecnologia e está se tornando cada vez mais conectada. Mas a palavra inteligência vem do latim (intelligentia), que provém de intelligere, termo composto por intus (entre) e legere (escolher e ler). Portanto, ser inteligente é saber escolher, ou ler, a melhor alternativa.

O incentivo à escolha está ligado ao que todo mundo quer: felicidade. Acho que este é o único ponto que conecta qualquer ser humano na terra. A pessoa pode falar que quer dinheiro, ou um bom emprego, um bem qualquer, mas, no final, o que ela quer é ser feliz. Nós propomos parar com a conversa fiada no meio da história e ajudar as pessoas a escolherem pela felicidade.

Então o Hack Town é um evento voltado à inteligência, poder de escolha e busca pela felicidade?

hacktown
Foto: Carolina Borges

Sim. O Hack Town é um evento para uma cidade que está se disponibilizando a ser mais inteligente. E ela quer ser mais inteligente não só com as tecnologias da informação, da comunicação, como eu falei anteriormente, mas também com a tecnologia do amor e da colaboração. Saímos da camada de uma cidade inteligente que tem muitos sensores e atuadores e passamos a nos tornar uma cidade inteligente que tem sensores, atuadores e, também, pessoas inteligentes, que colaboram umas com as outras para resolver as próprias questões e deixar o ambiente mais legal e mais feliz. 

O cerne é evoluir Santa Rita do Sapucaí como uma cidade verdadeiramente inteligente?

“No ano passado, segundo dados da prefeitura, os participantes do Hack Town injetaram cerca de R$ 20 milhões em quatro dias de evento.”

Smart cities, precisam de smart citizens. E eu vejo que Santa Rita tem caminhado a passos largos em relação a isso. Neste ano, o Instituto Itaú Cultural, que está no evento, divulgou um estudo sobre a economia criativa do país e a conclusão foi que ela gera mais PIB do que a mineração ou a indústria automobilística. Isso é um excelente indicador para nós, que temos notado ao longo dos anos o quanto o Hack Town, que não está preso a um único centro de convenção, impacta na economia da cidade. No ano passado, segundo dados da prefeitura, os participantes do Hack Town injetaram cerca de R$ 20 milhões em quatro dias de evento. Isso, para uma cidade de 40 mil habitantes, é fantástico. Neste ano, a previsão é de um crescimento de 20% a 30% sobre o ano passado.

Alguns estudos apontam que o ambiente diversificado impulsiona a inovação. Como o Hack Town trata a questão?

Somos um evento do século XXI. Não tem como fazer um evento como esse sem  pensar na diversidade como pano de fundo. Hoje, praticamente 50% do efetivo profissional é feminino. Não trabalhamos com cotas porque trabalhamos com a mentalidade da diversidade. Todos os palestrantes são pessoas de altíssimo calibre, de todas as cores e de todos os valores que se possa imaginar. E isso é importante para nós, porque demonstra abundância. Em analogia, vamos comparar biomas, como a floresta amazônica e um deserto. Veremos dois ecossistemas importantes, mas totalmente diferentes, e essa diferença é a diversidade. Dentro de um deserto, há poucas espécies de plantas e de animais e, por isso, há poucas relações entre as coisas, transmitindo a sensação de escassez. Já na floresta, há um número infinitamente maior de diversidade, o que transmite a abundância de possibilidades de relações entre as coisas. Um ecossistema não é mais importante do que o outro. O mesmo vale para eventos. Há alguns que têm estratégias menos diversas, mas não deixam de ser importantes. Porém, quando falamos do século XXI e das reais mudanças na sociedade, principalmente no Brasil, é preciso colocar a diversidade como a base da abundância e da transformação que estamos querendo causar.



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