O uso dos recursos de inteligência artificial (IA) na saúde tem sido considerado um divisor de águas, uma vez que possibilita diversas soluções, como o atendimento à distância, maior agilidade e assertividade nos diagnósticos, uso de dados para prevenção de doenças, otimização da gestão hospitalar, entre outros benefícios. No entanto, ainda existem desafios, como a necessidade de conhecimento das tecnologias envolvidas.
“Existem muitos termos que são aplicados para inteligência artificial. Então, no cenário da IA temos, também, aprendizado de máquina, deep learning. A inteligência artificial nada mais é do que um nome que foi dado à capacidade que as máquinas têm de replicar as funções cognitivas do ser humano. E quando se fala de aprendizado de máquina, é como se você descesse um nível dentro desse contexto de IA”, explicou Manuel Pereira Coelho Filho, head da divisão de Enterprise Services na Siemens Healthineers, durante debate promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 14 de maio.
Além de Coelho Filho, que também é membro do comitê de Tecnologia e Inovação da ABIMED e professor nos programas de MBA da FGV, também participaram do evento Evandro Penteado Villar Felix, médico do departamento de Neurologia da UNIFESP-EPM e professor da EAESP-FGV, e Cláudio Campos, head of Digital Solutions Brazil at Siemens Healthineers. O encontro foi mediado por Maria Laiz Zanardo, coordenadora acadêmica executiva do FGV IDE Management, MBA na área da saúde.
A inovação na saúde
Para Maria Laiz, é preciso ter cautela com o “manejo” da inteligência artificial. “Estamos em um momento em que a IA está disponível com várias opções de aproveitamento da tecnologia, mas, por outro lado, precisamos tomar muito cuidado para não aumentarmos, por exemplo, a falta de acesso nos países de baixa e média renda. Afinal, existem investimentos e custos de manutenção que podem afastar a tecnologia desses países, tornando-os ainda mais distantes das nações mais desenvolvidas”, explicou a coordenadora acadêmica.
Coelho Filho lembrou que é necessário entender as dimensões da inteligência artificial antes de aplicá-la. “A IA habilita outras tecnologias, como o aprendizado de máquina, que é a capacidade que a máquina tem de replicar o aprendizado humano, a partir de informações recebidas. E quando falamos em deep learning, que é o aprendizado profundo, estamos mencionando o conhecimento gerado pela própria máquina”, apontou o especialista. Segundo ele, não se trata apenas do futuro, “mas de desafios que já foram lançados e nós precisamos trabalhar com eles. Os gêmeos digitais são exemplos disso”, explicou.
IA na saúde é um caminho sem volta
Coelho Filho considera que, apesar dos desafios, o uso de IA na saúde é transformador. “Existem muitas ferramentas de IA que não só organizam, como otimizam os serviços de saúde. Estamos falando, por exemplo, de inteligência artificial para monitoramento, seja do paciente, seja dos colaboradores, o que pode tornar o serviço administrativamente mais eficiente. E tem a inteligência artificial aplicada ao diagnóstico, que abre um outro leque de possibilidades”, citou.
O médico Evandro Penteado Villar Félix defende que é preciso entender a percepção dos gestores hospitalares sobre isso. “A inteligência artificial deve ser vista como uma facilitadora. Na prática, ela reduzirá muito o tempo dos atendimentos, utilizará o histórico do paciente, enfim, são muitos benefícios para o setor da saúde. Sem dúvida alguma ela é uma ferramenta extremamente valiosa, tanto para o cuidado com o paciente quanto para a gestão. Na minha visão, a inteligência artificial na saúde é um caminho sem volta”, justificou. Ele citou uma pesquisa apresentada por um aluno de mestrado da FGV, que mostrou que 100% dos gestores hospitalares acreditam que a IA pode aumentar a eficiência e a produtividade dos profissionais, ao automatizar tarefas administrativas rotineiras e fornecer informações mais rápidas para a tomada de decisão.
Para Félix, um dos maiores desafios no uso da inteligência artificial na saúde é justamente a integração eficiente dos sistemas já existentes. “A troca de informação, a interoperabilidade de dados e a integração são pontos importantes para agilizar os processos”, completou.
Para Claudio Campos, apesar de muito se falar sobre inteligência artificial, é preciso evoluir no tema. “Ainda é algo que ainda está engatinhando, então muita coisa está para acontecer. A educação é fundamental para que todos entendam os benefícios dessa solução. O uso da IA na saúde é, sim, um caminho sem volta, mas não podemos entender isso como uma barreira. Precisamos enxergar que a tecnologia trará benefícios aos pacientes e transformará os profissionais de forma muito positiva, para que sejam mais produtivos e mais assertivos. Então, devemos sempre olhar para o viés positivo da tecnologia”, justificou o head de soluções digitais.
Dados dos pacientes
Apesar de toda a tecnologia envolvida nos processos de saúde, segundo Félix, há uma preocupação relacionada à privacidade e à segurança dos dados dos pacientes. “Os processos de transmissão e manutenção das plataformas de IA, as questões regulatórias que são extremamente importantes e que devem ser sempre levadas em consideração, a segurança e privacidade dos pacientes e dos seus dados ainda são pontos de atenção sobre a implantação de ferramentas de IA”, afirmou.
Gêmeos digitais
Na prática, o gêmeo digital é um modelo virtual de algo físico. Na medicina, por exemplo, ele possibilita fazer simulações antes de qualquer procedimento com o paciente. “Gêmeo digital é, hoje, um dos pontos mais importantes quando a gente fala de IA na saúde. Essa tecnologia possibilita diversas simulações sobre tratamentos, baseadas nas informações que já estão disponíveis, para que o médico possa tomar a melhor decisão clínica e ter o melhor desfecho”, justificou Coelho Filho. Segundo ele, a inteligência artificial e a tecnologia estão aí e vão “impactar muito fortemente as operações e como os processos ocorrem”.
Projeto InovaHC usa IA na saúde
Um exemplo do uso prático de inteligência artificial na saúde foi apontado por Coelho Filho. Segundo ele, durante o enfrentamento da Covid, uma ação desenvolvida pelo Hospital das Clínicas foi “absolutamente fantástica, utilizando IA para auxiliar em diagnósticos em centros remotos”.
“O hospital tinha uma máquina de tomografia, mas não tinha, por exemplo, radiologista capaz de dar um laudo sobre qual era a probabilidade de ser uma infecção por Covid, ou mesmo, o acometimento pulmonar daquele paciente. Essas imagens eram mandadas pela nuvem para o Hospital das Clínicas, que encaminhava para um algoritmo de IA que fazia exatamente a quantificação do comprometimento do pulmão do paciente e qual era a probabilidade daquela lesão ser por coronavírus. Em três minutos, a informação era devolvida para aquele hospital localizado em uma região remota, com a resposta ou com índices de probabilidade confiáveis. Ou seja, a inteligência artificial foi uma grande aliada no acesso à saúde”, exemplificou Coelho Filho.
O projeto acontece a partir do InovaHC, o Núcleo de Inovação Tecnológica do Hospital das Clínicas, desenvolvido em parceria entre o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP) e o Hospital Beneficência Portuguesa.