O mercado de trabalho, especialmente os cargos de gestão e liderança, é majoritariamente comandado por homens. E não é diferente nos setores brasileiro de TI e Comunicação (TIC). De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) de 2022, as mulheres representam apenas 23% dos profissionais de TIC no Brasil. Esse número é ainda menor em cargos de liderança, onde a representatividade é de 12%.
E é contra essa disparidade que atua a MCIO Brasil, como conta Marise De Luca, conselheira da instituição, nesta entrevista exclusiva ao Próximo Nível. Entre as frentes de atuação, ela destaca a participação na Futurecom 2023, onde a MCIO leva mais de 140 jovens mulheres para interagir e – quem sabe – se encantar pelo universo de TIC, criando parte da massa crítica e operacional tão necessária para vencermos o hiato da falta de mão de obra qualificada no setor e também promover maior justiça social. Acompanhe os principais trechos da conversa.
Nos conte um pouco sobre a sua história no setor de TIC?
Além de conselheira da MCIO, atuo como consultora em TIC, sou membro de conselhos de administração de empresas, mentora e coach de executivos no Brasil e em outros países da América Latina. Sou graduada em Matemática, com especialização em Sistemas de Informação e pós-graduação em Administração de Empresas. Já acumulo mais de 40 anos de atuação em TIC, sendo 23 deles dedicados à área de telecomunicações. Considero que abri caminhos nesse setor, sendo a primeira mulher gerente, diretora, vice-presidente e key account manager dele.
Como foi a formação da MCIO e qual é a representatividade dela atualmente?
A MCIO Brasil nasceu há 20 anos e já tem mais de 270 associadas, com representatividade de 11 estados do Brasil e outros sete países. Em 2021 foi oficializada como associação, sem fins lucrativos, composta por voluntárias. Teve eleição da diretoria e do Conselho, do qual eu faço parte. Temos o propósito de desenvolver oportunidades para que mais mulheres possam não só ingressar, mas também evoluir na área de tecnologia, colaborando para a equidade e impactando para um mercado de trabalho mais inclusivo.
Nesse sentido, o objetivo da MCIO Brasil é apoiar mulheres no mercado de tecnologia em todas as etapas de sua jornada. Isto engloba desde a entrada, ascensão, transição e evolução de carreira, empreendedoras, docentes, voluntárias e conselheiras. Agora, de que forma nós fazemos isso? Temos alguns pilares: Academia, Mentoria, Parcerias, Transição e Evolução, Empreendedorismo, Docência, Conselheiras, Comunicação e Marketing. Nesse cenário, temos as associadas que são acompanhadas em toda a jornada profissional e as alunas selecionadas que participam de nossos treinamentos e recebem mentoria.
Pode dar mais detalhes sobre as alunas e as associadas?
Consideramos alunas todas as mulheres que realizam algum treinamento oferecido pela MCIO. Os treinamentos sempre acontecem em parceria com alguma empresa de tecnologia. Ao final do treinamento, as alunas são encaminhadas para nossos parceiros de contratação e recebem mentoria das associadas MCIO. As alunas recebem notificação de todos os novos cursos oferecidos pela MCIO, para que possam se manter atualizadas e, consequentemente, com currículos atrativos para o mercado de trabalho. Em números atualizados (2023), temos mais de 6 mil mulheres impactadas (associadas ou não). São mais de 300 associadas (na maioria executivas de tecnologia), mais de 40 parceiros (empresas e organizações que oferecem treinamentos, contratação, instituições de ensino, patrocínios em eventos, etc.). Também já contabilizamos dez associadas recolocadas e mais de 30 empreendedoras associadas.
É possível comentar sobre a realidade das mulheres no setor de TIC no Brasil e como estimular ou incentivar jovens a entrarem nessa área?
De acordo com o Relatório “Demandas de Talentos em Telecom: um desafio para o Brasil”, divulgado em junho deste ano ( 2023) pela Brasscom, de 2021 a 2025 a demanda de novos talentos em TIC chegará a quase 800 mil profissionais. Já de 2023 a 2025, a demanda de novos talentos em software, serviços de TIC e TI in house (departamentos de TIC dentro de empresas que têm outra atividade-fim), será de 541 mil profissionais.
Sobre a equidade de gênero no Brasil, a WEF Global Gender Gap Report 2022 analisou 145 países nos anos de 2021 e 2022. Como resultado, constatou um crescimento para paridade de gênero de 67.9% para 68.1%. Ou seja: muito pouco. Nesse ritmo, serão necessários 67 anos para alcançarmos a equidade no mercado de tecnologia. É muito tempo!.
A missão da MCIO é reduzir esse hiato no Brasil. Focamos em mulheres acima de 18 anos, idade permitida para adentrar oficialmente ao mercado de trabalho, de acordo com a legislação. Mas abarcamos qualquer idade a partir disso.
Quais ações atuais podem ser destacadas?
Estamos na Futurecom 2023, com o intuito de atrair mais jovens e mulheres para o setor de tecnologia. Convidamos alunas do ensino médio de escolas públicas para o evento. São jovens entre 17 e 18 anos que já estão finalizando o ensino médio. Imagine que as instituições de ensino, neste ano, reportaram que o número de mulheres matriculadas está reduzindo. Também em função disso, convidamos alunas para participar de uma programação especial no evento.
A ideia é provocá-las a conhecer esse universo da tecnologia e inspirar. Nossa expectativa é de que ao entrar, e ver o mundo novo, elas se sintam motivadas a continuar nesse ambiente. Afinal, tecnologia da informação e comunicação é um mercado de pleno emprego. Queremos mostrar que este é um setor que tem oportunidades para mulheres. Por isso, estamos levando-as a estandes de 14 diferentes expositores. Entre alunas e professoras, são 140 mulheres que recebemos durante os três dias da feira.
Como está a formação da mão de obra feminina para TIC?
Vou iniciar a resposta com outra pergunta. O que precisa ser feito para mudarmos o cenário atual em que não existe equidade de gênero? Primeiro treinar e capacitar. Depois, criar espaços para as mulheres dentro das empresas.
Eu acredito que a formação em carreira de ciência e tecnologia, engenharia e matemática, tem de vir de currículo no ensino fundamental, médio e superior. É preciso, desde muito cedo, que as meninas acreditem que isso também é pra elas. Depois a gente precisa forçar a curva pra fechar esse gap. Então precisamos de políticas públicas, envolvimento do setor privado, da sociedade civil em geral… Precisamos que as empresas tratem a diversidade e inclusão como agenda principal e deem espaço para que isso se concretize. Quando a gente fala de mulheres, é preciso ajudar na capacitação e a traçar caminhos. Quando falamos das mentorias, por exemplo, estamos tratando das CIOs do futuro. São as mulheres que estão em posição de gerência e vão ascender para a liderança. Temos trilhas de gestão, de liderança, de preparação, apoiamos e fazemos a mentoria.
Em termos de negócios e evolução da sociedade, qual é a importância dessa causa e como a MCIO atua nesse sentido?
É preciso avançar na equidade de gênero para ter uma sociedade mais justa. Em paralelo, há inúmeras pesquisas realizadas em todo o mundo que apontam que mulheres na liderança apresentam melhores resultados do que as gestões majoritariamente de homens. Então, temos bastante foco na ascensão de mulheres ao topo. Temos muito interesse em receber mulheres que são as primeiras responsáveis por tecnologia na empresa e mulheres que reportam para esse primeiro nível. Elas são o grande foco, pois assumirão a liderança em um curto espaço de tempo.
Além destas, as empreendedoras do setor são fundamentais e elas podem se tornar associadas à instituição, assim como conselheiras e aposentadas que queiram contribuir com a nossa causa. Já para as formações, qualquer mulher ou pessoa que se identifique com o gênero, pode se candidatar. Recentemente fizemos uma parceria com a Cisco para a formação em service desk, com a Taking para formar desenvolvedoras full stack, com a Microsoft para cybersecurity entre outras. E formamos diversas mulheres nessas funções.
Para atração e retenção de talentos, como são as parcerias da MCIO?
Há muitas parcerias para assegurar a entrada das mulheres no mercado de trabalho. E as empresas só têm a ganhar com isso. Afinal, trata-se de uma pessoa formada que vai ter como mentora uma executiva da área. Não é uma simples inserção no setor. É a inserção de alguém extremamente capacitada. Eu sou uma das mentoras da MCIO, por exemplo, e fui CIO durante grande parte da minha carreira. Ou seja, as mulheres que passam pela instituição levam um pouco de cada uma de nós, do nosso conhecimento e experiência acumulados. Aplicamos treinamentos bem personalizados, de acordo com aquilo que se tem como ideal de colocação no mercado.
Recentemente, abrimos uma formação e recebemos, surpreendentemente, 900 inscrições. Precisamos fazer uma seleção para treinar, e tivemos 31 mulheres que concluíram o processo em oito meses. Nesse programa, contamos com a parceria com os professores do Ibmec. O treinamento incorporou inglês voltado aos termos de tecnologia, lógica e todas as alunas recebem mentoria. Agora, temos 10 que já foram contratadas e estamos buscando outras empresas parceiras que possam contratar as demais. Eu sempre digo às empresas que absorver as nossas mentoradas é muito interessante porque se absorve uma pessoa formada que, além de tudo, agirá com o apoio da mentora.
Falando sobre diversidade e inclusão, como a MCIO atua para ultrapassar as barreiras impostas pelo mercado atual? Algum projeto para profissionais 50+?
A avaliação de Diversidade do setor de TIC da Brasscom do ano passado contabilizou 3.933 profissionais com idade acima de 57 anos. Apenas 1% dos profissionais em funções técnicas no setor de TIC tem mais de 57 anos. Geralmente, são profissionais em posições executivas e cargos de confiança. Com perfil técnico, é super difícil encontrar. Agora eu pergunto, se são conselheiros das empresas, por que não são funcionários das empresas? Em um seminário da Anatel em março deste ano, eu estava falando sobre a digitalização do consumidor. E eu falei sobre profissionais 60+ e pessoas com deficiência.
A transformação digital não é uma opção, é uma realidade para todos, e uma pessoa 60+, 70+ 80+ e PcD faz parte disso, não pode ser excluída por não estar apta a fazer uso das ferramentas tecnológicas, seja por falta de conectividade, seja por carência de alfabetização digital. A gente precisa ensinar todo mundo a conviver com a diferença. Aprender a conhecer os nossos vieses inconscientes e aprender a lidar com a diferença. Diferente não é melhor nem pior, é só diferente. Empresas são feitas por pessoas e, se não tiver representantes desses públicos, não faz sentido.
A MCIO Brasil tem em seu viés mais forte a inserção de mulheres na tecnologia, mas diversidade e inclusão não diz respeito apenas à equidade de gênero, mas sim a todos os grupos minorizados, como pretos, pardos, indígenas, PcD, população LGBTQIA+, refugiados e outros. Costumo dizer que, nas equipes, é preciso ter de cabelo branco à cabelo azul. Precisamos de diversidade.
Há pouco falamos sobre a inserção de mulheres no mercado de tecnologia e a promoção dessas profissionais, a MCIO acompanha essa evolução?
As associadas, com certeza. Elas estão na empresa e nós acompanhamos enquanto enquanto não têm a colocação no mercado. Aquelas que foram treinadas, as alunas, a gente não “sossega” enquanto não têm a colocação no mercado. Depois disso, a gente acompanha. Das últimas 31 treinadas, 10 já foram inseridas. Fizemos todo esse acompanhamento até que elas fossem contratadas. Agora, elas nos contam muito sobre o mercado. Inclusive, elas têm nos ajudado a perceber uma dificuldade atual, que é o fato de as empresas não buscarem contratar profissionais juniores. Parece que as funções de entrada podem ser substituídas por serviços automatizados e, por isso, as contratações são voltadas a profissionais pleno e sênior. Mas, se a pessoa não tiver uma primeira inserção, como ela vai se tornar plena ou sênior? Com as nossas alunas, fazemos acompanhamentos e atualizações nessa linha também.