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Smart Campus simula cidade inteligente em Sorocaba

10 minutos de leitura

Projeto no smart campus da Facens reproduz problemas e demandas de um centro urbano real, mostra a professora Regiane Relva Romano



Por Redação em 05/09/2022

Testar soluções para problemas de energia, mobilidade, tecnologia, saúde, educação, urbanização, meio ambiente, governança  e outros é o propósito de um protótipo de cidade inteligente desenvolvido pelo Centro Universitário Facens, de Sorocaba (SP). “Iniciamos o projeto em 2014, encaminhando a sugestão para o MIT e o laboratório de inovação G-Lab, pois percebemos que tínhamos dentro do campus os mesmos problemas de uma cidade”, contou Regiane Relva Romano, professora da instituição e responsável pelo Smart Campus, em entrevista ao Próximo Nível.

Segundo ela, com o apoio do G-Lab do MIT, foi criado um laboratório vivo com o objetivo de solucionar os problemas reais de uma cidade, mas conectando todos os agentes envolvidos, ou seja, a comunidade acadêmica, o mercado e a sociedade. “O nosso objetivo é tornar as cidades mais humanas, mais inteligentes e mais sustentáveis” e utilizar o campus como um sandbox para que possamos testar, prototipar e escalar as soluções, disse Regiane.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva concedida pela especialista, que tem vasta experiência na área de tecnologia e está à frente do projeto desde 2016, quando as iniciativas começaram a ser implementadas no Campus. 

Pode definir esse conceito de smart campus?

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Divulgação – Facens

Regiane Relva Romano: No campus, temos cerca de 5 mil pessoas que circulam diariamente. Assim, entendemos que é uma mini cidade, até porque existem cidades com população inferior a isso. E lá temos problemas de mobilidade urbana, segurança, energia, saúde e qualidade de vida, tecnologia, meio ambiente, urbanização, comunicação e gestão… enfim, tudo o que existe em um centro urbano real. Então, resolvemos colocar todos esses eixos em prática e começamos a desenvolver soluções que pudessem deixar um legado dentro do Campus, para que ele se tornasse mais inteligente e mais sustentável.

Em cada um destes eixos os alunos, os professores, as startups e empresas podem fazer testes usando o nosso campus como um laboratório de inovação, no qual temos a oportunidade de colocar em prática soluções que podem ser replicadas fora dele.

Já há resultados nesse sentido?

Regiane Relva Romano: Sim. De 2016 para cá, mais de 350 projetos já foram desenvolvidos. Nós temos um campus de 100 mil metros quadrados e este projeto pode ser considerado o primeiro sandbox de cidades inteligentes do Brasil. Inclusive,já fomos premiados dentro e fora do país por isso. 

Você falou de vários eixos do smart campus. Pode dar mais detalhes?

Regiane Relva Romano: Trabalhamos com 9 Eixos. Educação, Cultura e Artes; Energia; Indústria e Negócios; Meio Ambiente; Mobilidade e Segurança; Saúde e Qualidade de Vida; TIC; Urbanização e Governança. Tudo o que desenvolvemos está alinhado aos 17 ODS e aos conceitos do ESG – Meio Ambiente, Social e Governança. Para isto, nós criamos vários laboratórios, que são núcleos de inovação. Por exemplo, temos o IP Facens, que é um Instituto de Pesquisas da Facens, que cuida de toda parceria com as empresas, faz a gestão de projetos, o relacionamento com o mercado, tendo grande parte do “G”, de Governança, juntamente com o Smart Lab. O FACE – Facens Centro de Empreendedorismo que ajuda os alunos e a comunidade a empreenderem. O LIS, que é um laboratório de inovação social, que faz com que as pessoas entendam e tenham empatia pela proposta, aplicando na prática o “S” do ESG. Lá, nós testamos a metodologia relacionada aos relacionamentos sociais, emocionais e éticos.

Temos ainda um centro de inovação, CIT, que estuda, por exemplo, novos materiais de construção civil e tecnologias para engenharia. Temos também a parte de energia, então mantemos um laboratório fotovoltaico e pesquisas de novas fontes renováveis. Uma das iniciativas desse laboratório foi a troca de todas as lâmpadas do campus por iluminação LED. Fizemos a mensuração dessa iluminação e integramos tudo isso em um dashboard, que permite avaliar vários dados, como quantas lâmpadas estão acesas, qual o gasto de energia dentro do campus, qual o consumo em cada uma das salas, etc. 

Também temos uma área muito importante para nós, que é a parte do Agro 4.0, uma parceria com o Farmlab, um laboratório onde há canteiros de plantas alimentícias não convencionais, projetos experimentais na área de agricultura, horta comunitária e a parte de compostagem. Tudo integrado a uma estação meteorológica.

Outra área fundamental é a sustentabilidade. Temos um comitê bastante atuante denominado #sustentabilidadefacens  focado em coleta seletiva, lixo zero e sustentabilidade como um todo. Conscientizamos sobre recusar, reciclar, reduzir, reutilizar, repensar o consumo, tendo uma forte gestão no “S” – sustentabilidade. Tudo isso é interligado e monitorado por meio de sensores IoT, ligados ao dashboard, que faz a captura de todos os dados do campus, para suportar a tomada de decisões. Contamos também com o LIGA – Laboratório de Games e Apps, onde podemos desenvolver soluções para o mercado focadas em Realidade Aumentada; Realidade Virtual; aplicativos e Metaverso. O LINCE – é um dos laboratórios que mais estimulam o mão-na-massa nas áreas de engenharia, juntamente com o FABLAB que é um laboratório de prototipação de quase todas as coisas! O BRAIN aplica a Inteligência Artificial nos projetos e o ENLACE – Laboratório de Colaboração Emocional, fomenta o desenvolvimento das habilidades sociais e emocionais, visando a melhoria da qualidade de vida das pessoas e o apoio na descoberta e realização de seus propósitos. Além destes centros também temos os laboratórios focados nas áreas de tecnologia, arquitetura, engenharias e saúde, que já nasceram com todos os conceitos mais inovadores do mercado. 

Estas soluções são replicadas em cidades reais, fora do ambiente controlado do campus? Como você avalia que o Brasil está em termos de cidade inteligente?

Regiane Relva Romano: Sim, estamos replicando. Já há bairros em Sorocaba que têm a mesma iluminação pública que temos dentro do campus. O mesmo ocorre na cidade de Vila Velha (ES), com 38 mil pontos de iluminação, em toda a cidade. 

Mas, eu tenho muito medo de falar que tem algumas cidades que de fato sejam inteligentes, porque há uma confusão entre o que é uma cidade inteligente e o que é uma cidade digital.

Para muitos prefeitos, a cidade inteligente é uma cidade digital. Então, eles colocam wi-fi em praças, lâmpadas LED tele monitoradas e chamam de cidade inteligente. Não é esse o conceito que nós trabalhamos aqui. 

Na literatura não existe um consenso do que é uma cidade inteligente; a escola americana entende que é o aspecto mais tecnológico, mais online. Porém, nós trabalhamos com a visão da escola europeia, que considera a interação de vários aspectos, incluindo os culturais, humanos, sociais, ambientais e também a tecnologia.

Neste caso, uma cidade inteligente pode ser uma cidade que tenha erradicado a pobreza, pode ser uma que tenha diminuído os índices de mortalidade. Claro que a tecnologia está integrada.

Atualmente, tudo está sendo suportado pela tecnologia, mas ela é um meio, não um fim em si mesma. Então, uma cidade inteligente é aquela que coloca as pessoas no centro e incorpora (ou não) a tecnologia da informação e comunicação para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos e a  gestão urbana.

Isso permite ter um governo mais eficiente, tendo ali o planejamento colaborativo, a participação do cidadão, promovendo o desenvolvimento integrado e sustentável, com foco em melhorar a vida das pessoas. 

Antes de falar da conectividade, a cidade inteligente precisa ter boa infraestrutura, não?

Regiane Relva Romano: A infraestrutura e a tecnologia estão por trás de todas as iniciativas. A cidade inteligente tem que ser eficiente, tem que gerar riquezas, tem que ter empregabilidade, tem que ter uma série de coisas que muitas vezes as pessoas esquecem e acham que só pendurando uma lâmpada 5G já está tudo pronto. Não é bem assim! Temos que fazer um diagnóstico das reais necessidades da população para, após isto, definirmos as prioridades nos 9 eixos  que suportam as cidades inteligentes, humanas e sustentáveis. 

Como as cidades brasileiras estão se preparando neste sentido?

Regiane Relva Romano: Vou citar o exemplo de Barueri (SP). Lá, os moradores podem acessar serviços de saúde pública por aplicativo, as praças são arborizadas e com vários brinquedos para as crianças. Todas as praças têm wi-fi público, câmeras de videomonitoramento, semaforização verde. Isso aumenta a segurança, reduz o trânsito e os riscos de acidentes, incluindo também a redução da criminalidade.

Bairro Alphaville, em Barueri

Tudo isso é controlado em um dashboard, que acompanha os dados da cidade em tempo real, o que simplifica a gestão. Todos os dados são integrados e incluem também a iniciativa privada. Aliás, um caso interessante é o da cidade do Rio de Janeiro, que tem o COR – Centro de Operações do Rio de Janeiro,  que usa informações das câmeras de segurança próprias e de varejistas, como postos de combustíveis e supermercados, além de restaurantes e residências. Com isso, o município duplicou sua rede de segurança. Também gosto muito de Curitiba que tem diversos projetos voltados à área de inovação, tecnologia, educação e sustentabilidade.

Há mais avanços no radar?

Regiane Relva Romano: Eu vou começar um passo antes, falando sobre o que que já foi feito. Fui assessora do Ministro Marcos Pontes, na época em que ele lançou o Plano Nacional de IoT (Decreto 9.854 de 2019). Esse decreto instituiu um plano nacional e as câmaras de gestão e acompanhamento do desenvolvimento de máquina a máquina e da internet das coisas, priorizando, naquela época, quatro áreas: saúde, cidades, indústria e a área rural. E há muitas coisas mudando nestes segmentos. O decreto também trouxe consigo investimentos e muitos chamamentos públicos para que todas as cidades, a área hospitalar, as indústrias e o setor rural pudessem se desenvolver na área tecnológica, porque essa era a aspiração.

De lá para cá algumas coisas melhoraram. Agora, além dessas quatro áreas prioritárias, eles também colocaram o turismo 4.0 e a educação 4.0. 

Além do Plano Nacional de IoT, também tivemos outras iniciativas, como a Lei das Startups, Lei de TICs, aperfeiçoamento da Lei do BEM, entre outras, que estão incentivando o desenvolvimento e a inovação. Um exemplo  na área de indústria, é o Rota 2030 que conta com diversas chamadas focadas na indústria automobilística e na sua cadeia. 

Na área de Saúde, há diversas chamadas para tecnologias assistivas, buscando melhoria na qualidade de vida das pessoas que têm necessidades especiais, bem como para  inovação na área hospitalar e em toda a sua cadeia de suprimentos. Na pandemia, por exemplo, foram fabricados diversos respiradores no Brasil com verbas públicas, incentivando a indústria nacional. 

Agora vem a sexta fase do Rota 2030, que é focada na conectividade das cidades inteligentes, com o uso de veículos conectados. Com isso, vamos habilitar toda a parte de gestão logística inteligente, transportes públicos inteligentes e a integração de todos os modais logísticos com esta tecnologia que está sendo colocada nos postes. Por isso que a substituição das lâmpadas LED e a chegada do 5G é uma mudança radical, porque teremos a baixa latência e altíssima velocidade, viabilizando a troca de dados entre as coisas.

O 5G está chegando às capitais brasileiras e há grande expectativa de que isso acelere as soluções de cidades inteligentes. Como você avalia isso?

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Regiane Relva Romano: Sim, o 5G será um divisor de águas. Nós vamos ter o impacto disso do micro ao macro, integrando toda a indústria, a logística, os hospitais, a área rural, cadeia de abastecimento,  a área de saúde, os serviços públicos, a área financeira, energética, transportes, segurança, agricultura, enfim  as cidades como um todo. 

Veículos conectados melhoram o trânsito e a segurança. Ao identificar um acidente, por exemplo, a internet das coisas, por meio dos sensores de ruído que estarão disponíveis nas luminárias, vai automaticamente disparar a onda verde dos semáforos, chamar uma ambulância e reduzir o tempo de socorro, salvando mais vidas e reduzindo custos de hospitalização. 

Aliás, vale destacar que a IoT deve promover um fenômeno, que é o menor uso de hospitais, reduzindo a sobrecarga do serviço médico de emergência. Hoje, já experimentamos isso com as consultas por telemedicina, que têm liberado espaço nos prontos-socorros, deixando o atendimento para quem realmente precisa. Mas, isso tudo também depende de uma mudança de comportamento por parte dos cidadãos, que precisam conhecer as soluções disponíveis. E, para que tudo isto aconteça, será necessário uma mudança cultural e educacional. Como sempre digo, a Educação é a base, sem ela, não teremos o conhecimento e sem o conhecimento, poderemos ser manipulados, o que é um perigo na nova era que estamos vivendo. 

Isso está implícito na transformação digital, certo?

Regiane Relva Romano: Sim. Existe uma estratégia nacional de transformação digital, que está disponibilizando milhares de serviços gratuitos para as cidades – que só precisam aderir a tais serviços. Mas a adesão ainda está baixa, porque muitos gestores não têm conhecimento, por ser uma área muito nova. Então, existem oportunidades gigantescas de mudanças daqui para frente. Nós estamos agora começando com a parte de saúde, com o cadastro único. A partir deste cadastro do SUS, será possível integrar várias informações no prontuário eletrônico do paciente, por exemplo, e, a partir dele, fazer uma gestão mais personalizada do atendimento para cada cidadão, reduzindo os custos operacionais e apoiando a tomada de decisão dos médicos que terão todo o histórico do paciente a um clique de distância. Estas informações também suportarão políticas públicas e possibilitarão maior transparência dos gastos públicos na área da Saúde.

Alguns especialistas acreditam que as metrópoles tendem a ser megalópoles, concentrando ainda mais a densidade populacional para formar clusters de cidades inteligentes. Você enxerga esse movimento acontecendo?

Regiane Relva Romano: Sim, totalmente. Por exemplo: na região metropolitana de Sorocaba, existem 27 cidades que estão trabalhando em conjunto para entenderem e adquirirem soluções únicas, até para diminuir o custo, o tempo e o treinamento. Eu trabalho também num projeto chamado Brasil 6.0, que é um movimento sem fins lucrativos, do qual qualquer pessoa pode participar e onde já temos várias regiões se integrando para se transformarem nestes clusters. 

Pode nos explicar melhor o programa Brasil 6.0?

Regiane Relva Romano: O Brasil 6.0 é um movimento de vanguarda com o lema Comunicar e Colaborar para Realizar um Brasil Digital para Todos numa perspectiva de 6 anos, tendo as Pessoas ao Centro, sem deixar ninguém para trás, alinhado ao ESG e suportado pela E-Digital: Estratégia Brasileira para a Transformação Digital. Reúne representantes dos governos Federal, Estaduais, Municipais e a sociedade civil. O objetivo é estudar a transformação digital que está acontecendo no Brasil e também fomentar que apontemos mudanças e melhorias.  

A gestão/inteligência de dados é outro ponto importante das cidades digitalizadas. Como isso está sendo endereçado no Brasil?

Regiane Relva Romano: Eu vejo isso com grande preocupação. Nós estamos no meio de uma revolução, talvez a maior que a humanidade já tenha passado. As pessoas não estão se dando conta da importância dos seus dados, então elas entram nas redes sociais, em sites, aceitam os cookies, aceitam tudo sem entender o que estão fazendo. Esse é um grande problema. Os jovens, principalmente, não têm maturidade para entender o conceito de privacidade. As pessoas precisam entender o poder dos seus dados e o quanto eles são importantes e podem ser usados para manipular interesses.

Isso é uma grande preocupação mesmo, pois a linha é muito tênue entre aquilo que é protegido pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o que são os dados disponibilizados para a segurança pública, por exemplo. Afinal, nenhum cidadão autorizou a câmera a capturar as suas imagens. Isso é algo que ainda precisa ser corretamente endereçado. Por meio das câmeras, é possível rastrear toda a movimentação das pessoas, identificar por onde elas passaram, o que fazem, onde compram, entre outras coisas. 

Outra preocupação é com a rastreabilidade de nossos dispositivos móveis. Vimos, durante a pandemia, o uso de nossas geolocalizações para o mapeamento das áreas com pessoas mais contaminadas, para diminuir o risco de contaminação de outras áreas. 

Ou seja, a tecnologia é uma ferramenta que pode tanto salvar vidas, como matar pessoas, assim como o avião – que tanto o leva para um passeio em outro lugar do mundo, como transporta bombas para as guerras. Tudo dependerá do uso que será feito e da ética das pessoas que estão trabalhando com todos estes dados. 

Cabe-me destacar, porém, que existem várias áreas no governo que estão trabalhando nessa questão da privacidade e devem surgir soluções que garantam essa segurança às pessoas.

É um mundo novo! Todos temos que ser protagonistas de nossas próprias histórias, pensando na coletividade, na cocriação,  na segurança física e virtual, nos limites, na educação e na ética, que, para mim, são dois dos ítens mais importantes desta nova era. 



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