A relação das pessoas – principalmente dos brasileiros – com o dinheiro vem sendo intermediada por tecnologias já há algum tempo. E, de agora para o futuro próximo, ela deverá aumentar, potencializada pela inteligência artificial e, especialmente, pela sua versão generativa (GenAI). O assunto foi debatido por CIOs dos principais bancos do país durante a Febraban Tech 2024, em realização no Transamérica Expo Center, em São Paulo, nesta semana.
A visão de que a IA está mudando a forma de trabalhar dos bancos e igualmente a forma como esses se relacionam com os clientes, foi argumentada pelos debatedores por diversos pontos de vista. No geral, eles avaliaram que o desenvolvimento de softwares, a cibersegurança, a produtividade da força de trabalho e a hiperpersonalização dos clientes, concentrarão as principais mudanças.
Hiperpersonalização
“Em um futuro próximo, vamos conseguir entender mais os clientes”, disse Christian Flemming, CTO e COO do BTG Pactual. Ele vislumbra que o uso de inteligência artificial permitirá o desenvolvimento de sistemas de atendimento virtual capazes de identificar sentimentos dos clientes com mais precisão e, assim, tornar os atendimentos mais assertivos. Em outras palavras, a ideia é que a GenAI promova uma hiperpersonalização ao ponto de que os bancos não tenham mais o produto A, B ou C, mas sim uma oferta fluída e praticamente exclusiva.
Como exemplo, ele disse que, atualmente, as organizações financeiras correm riscos de oferecer produtos e serviços desconectados com o “desejo” do cliente. Seria o caso da oferta de um investimento para determinado cliente simplesmente pelo fato de ele ter um “dinheiro parado” no banco. “Contudo, não foi visto que esse cliente teve uma experiência péssima no dia anterior, quando a sua conta foi bloqueada. Então, não seria o momento de oferecer um produto, mas sim de tratar da sua experiência negativa primeiro”, exemplificou Flemming.
Luis Bittencourt, vice-presidente de Tecnologia e Operações do Santander Brasil, acrescentou que o atendimento vive, hoje, sob momentos constantes de pico. Diferente do que acontecia no passado, quando os picos das agências ocorriam nos dias 05 ou 20 de cada mês, hoje há picos diários de tráfego, como o de PIX às 18h00, por exemplo. “A IA pode eliminar esse problema, na medida em que habilita o atendimento infinito”, pontua.
Para Edilson Reis, CIO do Bradesco, a missão é olhar para o que os clientes querem e, a partir daí, avançar nas soluções de IA, e que deve desenhar cenários para a tecnologia. Assim, as soluções de GenAI que hoje são generalistas, devem passar a ser cada vez mais especializadas.
O Bradesco utiliza IA e vem acumulando essa experiência desde 2016, por meio do Bradesco Inteligência Artificial (BIA), desenvolvido em parceria com a IBM. “Desde que começamos com o BIA até hoje, já tivemos mais de 22 milhões de interações com os clientes”, disse Reis. Para ele, que tem a responsabilidade da IA como a principal preocupação acerca da tecnologia, além do atendimento ao cliente, os desenvolvimentos do futuro devem melhorar a eficiência operacional dos bancos.
IA na eficiência operacional
Nesse aspecto, o uso de IA generativa demonstrou média de ganho de 40% na criação de histórias de usuários para o desenvolvimento de softwares em um teste interno do Bradesco, segundo o CIO do banco. “Também vemos o potencial para o gerenciamento de alertas operacionais”, pontuou.
Nas agências, cerca de 2 mil gerentes de contas estão utilizando IA para melhorar a acuracidade de respostas aos clientes e, segundo Reis, a nota dada por eles para a solução é de 4 pontos, em uma margem de 1 a 5. “Nessa experiência, a acurácia das respostas é superior a 90%”, detalhou.
A analogia de Reis é de que a IA pode transformar os funcionários em “biônicos”, no sentido de lhes oferecer especialidades que, em muitos casos, demorariam anos para serem adquiridas.
No Banco do Brasil, segundo a vice-presidente de Negócios Digitais e Tecnologia, Marisa Reghini, os cerca de 1,5 mil funcionários de tecnologia contratados por concurso recentemente tiveram bastante do seus tempos de treinamento otimizados com o uso de IA. Na visão dela, também é no backoffice que a IA ganha importância, assim como no atendimento ao cliente.
O BB utiliza inteligência artificial desde 2013, segundo Marisa, e vem consolidando a sua utilização nas várias frentes. Uma delas é o reconhecimento da prova de vida de aposentados do INSS, beneficiando tanto o cliente quanto a operação das agências. “Agora, os clientes não precisam mais se deslocar às agências para isso”, resumiu.
A gestão de numerário do BB também conta com ajuda de IA. Assim, Marisa detalhou que é possível dimensionar com precisão a quantidade de cédulas de dinheiro que devem ser enviadas a cada agência e caixa eletrônico, otimizando não só a logística, mas também a segurança desses locais.
Já na Caixa, que tem cerca de 4 mil normativos internos, a IA é um apoio importante de otimização e organização dessas informações, auxiliando os funcionários a encontrarem com mais rapidez e acuracidade.
O Itaú Unibanco, por sua vez, tem mais de 250 aplicações de GenAI já experimentadas e, no que tange a eficiência operacional, Ricardo Guerra, CIO do banco, destacou o seu uso na criação de softwares. “Hoje, já temos mais de 1,3 mil linhas de códigos criados pela tecnologia”, revelou.
O banco utiliza o Copilot, da Microsoft, como sistema matricial de IA e, segundo Guerra, a experiência relatada acima resultou na geração de sistemas eficientes, inclusive com menos potencial de alucinações do que se fossem criados por humanos.
Para o futuro, os líderes de tecnologia dos principais bancos do Brasil mostraram preocupação com a cibersegurança, no sentido de que a IA pode potencializar as ações maliciosas. Unanimemente, também, comentaram sobre o uso responsável da IA como o ponto de atenção do momento, mostrando que, no fundo, é isso que norteará o sucesso da hiperpersonalização, da eficiência e, consequentemente, da rentabilidade.