A expansão das fintechs no Brasil ganhou força com a mudança de hábito dos brasileiros. De acordo com uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), do início de 2020, quatro em cada dez consumidores já haviam utilizado cartão de crédito de alguma fintech nos 12 meses anteriores. Além disso, um quinto das pessoas já havia feito, ao menos, um empréstimo pessoal em bancos digitais, e um terço investe dinheiro por meio de plataformas digitais.
O levantamento mostrou, ainda, que quando comparados aos serviços das instituições tradicionais, os bancos digitais conquistaram a preferência de 55% dos entrevistados que utilizam ambos os serviços E 25% afirmam não ter preferência, quando apenas 20% preferem os bancos tradicionais.
Brasil tem maior quantidade de unicórnios da América Latina
De 2020 para cá, apesar de a pesquisa não ter sido atualizada, a perspectiva é de que os serviços prestados por fintechs tenham alcançado um número ainda maior de pessoas. Isso porque, durante a pandemia, a digitalização aumentou e, cada vez mais, os consumidores precisaram recorrer a serviços e produtos digitais.
Além do setor financeiro, várias fintechs se destacaram no mercado e, algumas, até abriram capital na Bolsa de Valores brasileira (B3). Entre elas estão empresas de diversos segmentos, como a Méliuz (focada em cashback, mas que, após a abertura de capital, já comprou outras quatro empresas, dentre as quais o Alter Bank, que oferece soluções em criptoativos), a Mosaico, operadora dos sites Buscapé, Zoom e Bondfaro, o Enjoei, uma espécie de brechó online, e a Locaweb, que faz hospedagem de sites.
No ano passado, 11 fintechs fizeram seus IPOs (ofertas públicas iniciais) na B3, e a perspectiva é que outras startups ligadas a tecnologia e inovação sigam o mesmo caminho.
Conforme a pesquisa do SPC, em 2020 o Brasil já era o país com maior quantidade de fintechs na América Latina, à frente do México. Na ocasião, era considerado o terceiro maior criador de unicórnios, que são startups avaliadas em mais de US$ 1 bilhão, ao lado da Alemanha.
Soluções financeiras lideram tendências
Soluções e produtos financeiros (crédito, seguros) voltados a autônomos, profissionais sem vínculo formal de trabalho e freelancers têm sido as com maior potencial de desenvolvimento – mas não as únicas.
Bancos como o Nubank, por exemplo, já se consolidaram no mercado e atraem cada vez mais clientes, interessados em soluções mais econômicas e “sob medida”. Mobile, data analytics, inteligência artificial, robótica, Internet das Coisas, entre outras, são tecnologias que estão transformando a experiência das pessoas no uso de produtos e serviços financeiros, os quais têm se tornado muito mais convenientes, personalizados e intuitivos.
De olho nessa mudança de comportamento e perfil do consumidor, algumas instituições tradicionais também passaram a investir em inovação. Um exemplo é o Bradesco, que criou um centro de inovação (InovaBra Habitat), com foco no desenvolvimento de startups com serviços que possam interessar alguns perfis de clientes.
Uma pesquisa da consultoria PwC Brasil e da Associação Brasileira de Fintechs (Abfintech) mostrou que 35% das startups do segmento financeiro consideram os grandes bancos como parceiros; 28% acreditam em parcerias futuras; 20% acham que são possíveis compradores estratégicos e apenas 18% veem os grandes bancos como concorrentes.
Como esse ambiente de negócios se desenvolveu no país?
Alguns fatores, como a pandemia e a maior necessidade de serviços digitais, acelerou o desenvolvimento de soluções. Confira como foi o desenvolvimento do setor de fintechs no Brasil.
2010
Em 2010, aconteceu a abertura do mercado de adquirência, trazendo alternativas além das empresas tradicionais até então – Redecard (Rede) e Visanet (Cielo).
2013
Em 2013, a lei 12.865 criou a figura das instituições de pagamento, abrindo espaço para o surgimento de fintechs na área.
2015
Em 2015 foram autorizadas mudanças em arranjos de pagamento, em relação à interoperabilidade entre as instituições, tais como a portabilidade de crédito. Com isso, os clientes passaram a poder negociar suas dívidas com outras instituições que pudessem oferecer mais benefícios e melhores condições de pagamento.
2016
Em 2016, a Resolução nº 4.480 do Banco Central autorizou a abertura e fechamento de contas via internet. No mesmo ano, foi criada a agenda BC+, com ações relacionadas à cidadania financeira, legislação mais moderna, crédito mais barato, entre outras.
2017
Em 2017, a Instrução da CVM nº 588 regulamentou a oferta pública de distribuição de valores mobiliários.
2018
Em 2018, finalmente, as fintechs foram incluídas entre os agentes autorizados a operar e participar do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), com a alteração do texto da MP 802. No mesmo ano, a circular BC nº 3.886 alterou a regulamentação dos arranjos e instituições de pagamento. Além disso, em 2018 os empréstimos P2P (entre pessoas físicas) foram regulamentados pela resolução CNM nº 4.656, que permitiu o surgimento de empresas (fintechs), operando de forma intermediária entre tomadores de crédito e credores. O decreto nº 9.544 também permitiu a participação de até 100% de capital estrangeiro nessas empresas.
2019
No ano seguinte, em 2019, o Banco Central instituiu um fórum para assuntos relacionados a pagamentos instantâneos. Foi criada a figura da empresa simples de crédito, que facilita o acesso a pequenas e médias empresas, de acordo com a Lei Complementar nº 167. No mesmo ano, o BACEN emitiu o comunicado nº 33.455 , com diretrizes para regular o open banking (ou sistema financeiro aberto) no Brasil.
Além disso, o Ministério da Economia, em conjunto com o Banco Central, CVM e Susepe, emitiu comunicado tornando público o interesse na criação de um sandbox (ambiente controlado de testes para inovações financeiras e de pagamento) regulatório no país.
2020/2021
Após análise regulatória, em 2020 o open banking começa a se desenhar. Porém, as mudanças entram em vigor somente a partir de 2021, em quatro fases distintas. De acordo com o próprio Banco Central, a abertura do mercado de pagamentos “incentivará a inovação e o surgimento de novos modelos de negócio, que oferecem aos clientes uma experiência fácil, ágil, segura e conveniente. Isso favorece a inclusão e a educação financeira da população”.
Com a regulamentação atualizada, as fintechs devem assumir cada vez mais protagonismo, passando a serem não somente criadoras de soluções para resolver problemas hoje existentes no setor bancário, mas também para avanços em novos produtos e serviços. É o que preveem especialistas do setor, como Arthur Igreja, professor da FGV e especialista em economia compartilhada e inovação disruptiva.
“As fintechs melhoram as experiências do consumidor e reduzem os gaps processuais dos bancos. Nos últimos anos, essas empresas estavam melhorando coisas ruins dos bancos, seu diferencial eram soluções que resolviam as brechas deixadas por tais instituições. Agora, com metaverso, blockchain e outras tecnologias, as fintechs deixaram de melhorar o que já existe e estão propondo coisas novas, assumindo o protagonismo”, disse ele em entrevista exclusiva ao Próximo Nível.