Há quem classifique as invenções que moldaram a humanidade como ciclos tecnológicos. E, há também, quem diga que estamos em um novo deles, provocado pelo desenvolvimento da inteligência artificial e da biotecnologia. Dispositivos vestíveis, que levem essas duas tecnologias, fechariam uma tríplice que pode mudar o modo como vivemos e convivemos. Com um pouco mais de elucubração, podemos – ou não – nos tornar ciborgues, ou qualquer outro tipo de homem biônico onde a tecnologia está em nós, isso em um futuro próximo. A esperar. Fato, contudo, é que o começo de um ciclo exige a base de um anterior, e parece que é isso que a conectividade e a internet estão nos deixando.
Entre 15 e 18 de abril, uma série de empresas e seus especialistas tratarão de temas correlatos no Web Summit Rio 2024. O hub de inovação da Claro e da Embratel, o beOn, está entre eles, com um estande no evento, onde pretende demonstrar que as inovações aplicadas aos negócios das duas marcas estão além da teoria e já beneficiam os seus cerca de 70 milhões de clientes.
Nesta entrevista, o diretor de inovação do beOn, Rodrigo Assad, conta sobre a presença no evento e o quanto ela está relacionada à visão de inovação do grupo. Acompanhe.
Como você avalia o ambiente brasileiro de inovação?
Percebo que as grandes empresas estão sensibilizadas para as startups, em busca de soluções ágeis, criativas e inovadoras, principalmente no que diz respeito à redução de custos. Até por esse motivo, vejo que há bastante dinheiro disponível no mercado. O mercado brasileiro tem muitos fundos de investimentos, além de hubs de inovação dos mais variados tipos. O que tem faltado, talvez, seja maior apetite ao risco. Os agentes brasileiros não costumam arriscar muito e essa é uma das frentes em que o beOn também tem atuado para equilibrar. Buscamos formas de prover a tranquilidade necessária para os executivos acreditarem quer querem soluções diferentes das tradicionais, ensinando e utilizando as alavancas que o grupo tem para diminuir o risco. Fazemos isso mostrando os resultados obtidos sobre os riscos assumidos por um grupo de empresas como o nosso.
Você está falando especificamente de inovação digital?
Quando falamos de inovação digital, falamos de processos que são realmente digitais, o usuário tem a sua jornada fim a fim digital. Ou seja: que não passam por uma intervenção humana. Um exemplo é quando se faz uma venda em uma esteira totalmente digital, no qual o usuário corporativo consegue interagir e coordenar o seu negócio online sozinho.
A inovação, contudo, não precisa necessariamente passar por uma esteira 100% digital. Pelo contrário. Temos muitos exemplos de inovações não digitais. No interior do Nordeste, por exemplo, estão tratando coleta de água de forma inovadora, e não há um só bit envolvido nisso. A inovação está, nesse caso, em um processo diferente, criativo e eficiente, que resulta em algum tipo de benefício para a sociedade. Portanto, a inovação é muito mais do que a digitalização. É claro que, como grupo de TI e comunicação, estamos voltados para o digital, mas esta é a particularidade do nosso negócio.
É isso que o beOn, como o hub de inovação da Claro e da Embratel, vai mostrar no Web Summit Rio 2024?
Sim. Entendemos que estar próximo dos grandes eventos de inovação como o Web Summit faz todo sentido para o grupo. Não só como exposição de marca, mas também mostrando que estamos olhando a inovação e buscando soluções. Ou, como costumamos dizer: que estamos para o jogo. Acho que o mercado já entendeu esse posicionamento e, agora vamos para um próximo nível, identificando bons negócios. Queremos sair do Web Summit com oportunidades, conversando com o ecossistema e mostrando as nossas tecnologias.
O que esperar do estande do beOn?
Interação. Quem quiser fazer experimentos com open gateway, por exemplo, vai conseguir. Também vamos mostrar um pouco do nosso propósito de relacionamento, com o nosso aplicativo Minha Claro. Vamos apresentar fornecedores e participar de palestras também. Enfim, queremos mostrar que não estamos apenas dizendo que a Claro é uma empresa legal e que está olhando inovação, mas sim que, efetivamente, quer se conectar cada vez mais com boas oportunidades.
A inteligência artificial está, novamente, no centro das atenções do evento. Como você avalia isso?
A IA é um grande anseio da comunidade, não só científica, mas de mercado também. Os filmes de Hollywood apontaram isso há décadas e esse anseio continua válido. Por isso a IA não é um hype, mas sim algo que veio para compor o nosso dia a dia. Teremos cada vez mais copilotos na nossa vida. Copiloto para dirigir, para programar softwares e para todo tipo de trabalho. Esta entrevista mesmo poderia ter um copiloto para transcrever a conversa, não? [a transcrição esta entrevista foi feita pelo Journalist Studio, do Google]. Essa é a tendência, e estou falando apenas do que já temos, sem pensar no que ainda teremos no futuro.
Mas o machine learning já não era capaz de fazer isso?
Sim, mas dependia da criação de modelos, que demoravam. Hoje, a IA generativa deu escala, com modelos de linguagem (LLMs) já prontos. Esses modelos trazem a real possibilidade de interpretação, de captura de sentimentos, e isso abre um leque gigantesco de aplicações. Hoje, a inteligência artificial já é capaz de entender se você está chateado com base no seu tom de voz, por exemplo. Ela também já pode fazer recomendações de compras, cruzando uma série de informações a seu respeito. Isso é muito forte.
E para o futuro, o que esperar da IA?
Queremos saber quando ela vai se tornar consciente e tomar decisões. Já estão dizendo que isso acontece. Há histórias por aí, mas nada que esteja disponível para uso em escala, até onde sei. Uma das histórias que contam é que uma IA resolveu, por conta própria, estudar matemática e começou a resolver problemas. Mas, novamente, são só histórias, por enquanto.
Verdadeiras ou não, essas histórias provocam discussões sobre regulamentação…
Sim. Mas um vetor é a inovação, outro é a tecnologia aplicada e só depois tem a regulamentação, correndo atrás disso tudo. Ou seja: a inovação está lá na frente e não está preocupada com a tecnologia e tampouco com a regulamentação. Os ciclos tecnológicos são assim, e continuarão sendo. Em termos de regulamentação, vejo que o Brasil vem olhando o modelo europeu, que também não está seguro, mas defendo que devemos desenvolver o nosso próprio.
Você falou em ciclo tecnológico e o Tech trends report deste ano aponta a inteligência artificial, a biotecnologia e os dispositivos vestíveis como pilares de um “superciclo tecnológico” que estaríamos começando. O que você pensa a respeito?
Existe um livro chamado A próxima onda: Inteligência artificial, poder e o maior dilema do século XXI, que aponta pouco mais de uma dezenas de cilos (ondas) de inovação tecnológicas pelos quais a humanidade já passou. Ele começa pelo domínio do fogo, depois pela roda, segue para o impacto da agricultura e vai avançando até a eletricidade e a internet. Basicamente, ele fala do impacto das invenções na sociedade e mostra que todo grande ciclo finaliza quando a tecnologia chega no limite da aplicação, ou seja, quando não há mais desenvolvimento e sim um mercado consolidado que começa a disputar preços. Parece ser o que está acontecendo com a conectividade (internet) atualmente. Geralmente, nessa fase, abre-se espaço para um novo superciclo, e também parece ser isto que estamos vivendo. A vantagem é que os ciclos são cada vez mais curtos, e não precisaremos esperar 100 anos para confirmar o próximo, que deve envolver a biotecnologia, a inteligência artificial e os dispositivos vestíveis. Em uma visão mais holística, estamos falando da mistura do ser humano com a tecnologia.
Como assim, vamos nos tornar biônicos?
Esse livro, em especial, diz que a gente vai se misturar com a tecnologia de alguma maneira. Quando falamos de dispositivo vestível com inteligência artificial, por exemplo, já é um pouco disso. Claro que não estou afirmando que nos tornaremos um ciborgue, mas estou identificando que a tendência é que não consigamos mais conviver sem um dispositivo que tenha IA, biotecnologia ou algo vestível em nosso dia a dia.
Isso parece instigante e preocupante…
E é. Existem esses ciclos, e a tecnologia é para o bem e para o mal. Podem usar a IA e biotecnologia para produzir um vírus sintético, por exemplo. Aliás, este livro diz que a produção desse tipo de vírus vai intensificar. Enfim, de uma maneira geral, muita coisa pode acontecer nesse novo superciclo, e estamos só no começo dele.
Mesmo no Brasil?
O Brasil é muito forte em biotecnologia, principalmente por conta da nossa biomassa. O trabalho da Embrapa e de outras instituições da área é reconhecido mundialmente. Em termos de IA, começamos a ver algumas ilhas, principalmente em universidades e centros de pesquisas. Do ponto de vista da IA, tem também os projetos de fomento do governo. Os editais da Finep, por exemplo, liberaram centenas de milhões de reais para que a indústria brasileira e as universidades trabalhem de forma conjunta, criando soluções tecnológicas. É óbvio que nós, como beOn e como parte da Claro e da Embratel, estamos olhando para tudo isso, mas procuramos as estratégias certas para trabalhar no que realmente faça sentido.
Qual é a estrutura do beOn, atualmente?
Temos quatro grandes pilares: o primeiro é o open innovation, para relacionamento com o ecossistema com o qual queremos estar conectado. Isto envolve hubs de inovação, aceleradoras, universidades, startups e empresas de maneira geral. Criamos um processo de desafios, de modo que, quando surgem problemas apontados pelas empresas do grupo, nós os encaminhamos para um processo interno. A missão é encontrar respostas “fora da caixinha” e isto tem recebido grande engajamento dos líderes da Claro, Embratel e demais empresas do grupo. Hoje, temos a média de um desafio por semana.
Quais são os outros pilares?
O segundo é o que chamamos de exploradores, ou desenvolvimento de negócios. O objetivo é encontrar possíveis ventures para bons negócios para as nossas empresas. Lançamos também um marketplace, onde colocamos o máximo possível de soluções de startups dentro de uma estratégia de comercialização em jornadas 100% digitais. Isso também já tracionou, e hoje temos duas áreas já disponíveis: o PME e o SVA. Este último trata de produtos e soluções para o público final, enquanto o PME é dedicado às pequenas e médias empresas. A Embratel, por exemplo, deve lançar um produto nesse sentido em breve.
O último pilar é a peça que faltava na nossa estratégia: o funding para identificar oportunidades de financiamento. Estamos bem estruturados nesse pilar também, olhando todos os mecanismos de financiamento que existem no mercado e que, de alguma maneira, podem ajudar a evoluir os produtos e ofertas do grupo.
Você relatou inovações de dentro do beOn e do grupo para fora. O processo inverso ocorre também?
Sim. De dentro para fora, o beOn está diretamente envolvido na pauta de eficiência operacional do grupo. Portanto, estamos falando de projetos que têm um potencial de eficiência operacional ou de alavancar negócios na grande escala na qual a Claro trabalha. Isso tem sido muito legal, pois quando empresas grandes como a Claro descobrem as nossas soluções, acabam requisitando-as também. Um exemplo é um projeto de inteligência artificial desenvolvido para a nossa URA e que trouxe economia gigantesca. Depois disso, um grande banco contratou e uma rede de TV também já está querendo, assim como uma empresa de radiojornalismo.
Ainda em termos de eficiência operacional, desenvolvemos dentro de casa e estamos ofertando para o mercado soluções para baterias, cabeamentos, gestão de redes, gestão de lojas e outras.
Já de fora para dentro, temos visto muita coisa de videomonitoramento e vídeo analytics, além de IoT para tracking. São projetos de grandes volumes, que envolvem centenas de milhões de reais.
Essas inovações são incrementais ou também há disrupções?
Temos inovações disruptivas também. Classificamos assim aquelas que estão bem do nosso negócio principal e podem realmente desenvolver um novo mercado que, até então, não enxergávamos.
Um exemplo disso é a cirurgia robótica, já adotada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP), primeiro hospital público brasileiro a utilizar o 5G para essa finalidade, que foi viabilizada por meio de um programa de colaboração entre Claro, Embratel (com participação do beOn) e InovaHC, o núcleo de inovação do HC.
Essas inovações vão além do nosso core business e, portanto, são de longo prazo, mas visam nos manter no jogo, como é da nossa essência.